Bolsonaro é tutelado pelos militares e, ao mesmo tempo, utiliza-se deles para fazer seu jogo sem rumo e sem método? Parece uma questão trivial, mas não é. Muito menos agora, quando Bolsonaro hiberna há uma semana e só faz propaganda da cloroquina, mas pode ressuscitar a qualquer momento.
Esse é o balanço resumido dessa relação. Bolsonaro ofereceu a Hamilton Mourão a chance de ter uma vitrine e o empurrou para o comando do Conselho Nacional da Amazônia. Que Mourão militarizasse o conselho e passasse a ser o tutor de Ricardo Salles.
Mourão se dedicaria à tentativa de trazer de volta os fundos internacionais que subsidiam os “esforços” para preservação da floresta, que Salles pôs a correr.
Mas Mourão parece não ter o controle de Salles e de nada que diga respeito à Amazônia.
O general pode ter entrado numa fria, exposto não só aos brasileiros, mas ao mundo, como o vice-presidente que não evita a demissão da principal servidora dedicada ao monitoramento da Amazônia, a pesquisadora Lubia Vinhas.
Lubia era a coordenadora-geral de Observação da Terra do Inpe, departamento responsável pelos sistemas Deter e Prodes, que acompanham o desmatamento da Amazônia. Por que Mourão não conseguiu salvá-la, se é que queria?
Outro general que se deu mal com os desatinos de Bolsonaro foi Augusto Heleno. Bolsonaro disse em abril que tinha problemas com sua segurança pessoal, quando na verdade queria interferir na Polícia Federal.
Mas acabou apontando na direção do general Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, o militar que, dizem, é o mais próximo da família.
Heleno ficou mal na parada e teve de dizer, em depoimento à Polícia Federal, no inquérito provocado pelas denúncias de Sergio Moro, que Bolsonaro nunca enfrentou problemas com a equipe de segurança.
Bolsonaro tem na chefia da Casa Civil o general Braga Netto, que anda desaparecido. Braga Netto foi consagrado como o gestor do governo, o homem que faria as coisas andarem, em substituição ao esforçado, mas sempre mediano Onyx Lorenzoni.
Bolsonaro empurrou Braga Netto para uma arapuca, ao fazê-lo apresentar, na famosa reunião de 22 de abril (aquela das hemorroidas, da boiada e dos ministros vagabundos do Supremo), o tal Programa pró-Brasil.
O general enfrentou ironias ali mesmo, na frente de todos os ministros, desferidas pelo colega civil Paulo Guedes.
O ministro da Fazenda, enciumado, desqualificou o programa e chamou Braga Netto e os generais envolvidos no plano de despreparados.
Mais um episódio, esse o mais recente. Bolsonaro ofereceu ao general Eduardo Pazuello o cargo de ministro interino provisório para sempre da Saúde. Foi um fracasso.
A população quer, como mostram as pesquisas, que Pazuello abandone o cargo. A gestão da pandemia é desastrosa.
O general foi condenado a não aparecer, para não ter protagonismo e deixar a conta do desgaste pela mortandade nas costas de governadores e prefeitos.
Pazuello foi apontado por Gilmar Mendes como o homem que representa a cumplicidade do Exército com um genocídio.
Pois Bolsonaro chamou Pazuello e mandou que ligasse para Mendes e buscasse uma trégua, enquanto estimulava os ministros militares a processarem Mendes.
E assim Bolsonaro vai usando os militares. Mas eis a pergunta: tudo isso desfaz ou reafirma interpretações segundo as quais o comando da estrutura de governo é dos generais e que ele, o tenente, é apenas o hospedeiro do projeto fardado?
É a resposta a ser perseguida. Mas tem mais. Ao ir ao encontro das manifestações fascistas em Brasília, Bolsonaro sempre tentou envolver os militares. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, esteve com ele quando foi acenar para Sara Winter.
O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, também acompanhou protestos que pediam o fechamento do Supremo.
Os generais Augusto Heleno e Eduardo Pazuello estiveram no mesmo local, na Esplanada dos Ministérios, onde os golpistas se reuniam.
O Bolsonaro no modo cloroquina está parado, mas deve estar pensando como sair da letargia forçada, desde a prisão de Queiroz, e voltar ao normal no dia 21, no fim da quarentena.
Os militares também devem saber que, ao final desse período, algo os espera. Quase nunca algo que os favoreça.
Eles sabem que 65% dos brasileiros (segundo o Vox Populi) não querem vê-los no governo como empregados de Bolsonaro.