Por Sara Vivacqua
Ontem, várias capitais europeias marcharam desafiando os perigos da pandemia, e Londres viu a sua maior manifestação desde a marcha contra a guerra do Iraque em 2002. Foram mais de 100.000 pessoas, a maioria jovens, que tomaram as ruas com a indignação daqueles que já não são aconselhados pelo medo. Subiram em prédios, sinais de trânsito e andaimes com suas bandeiras e uma demanda clara, honesta e urgente: o reconhecimento do Estado Palestino, a grande dívida do “mundo civilizado” deste tempo.
“Nós queremos uma justiça nítida, que os olhos possam ver. A justiça é agora.” Esta era a voz de dentro e espontânea de um jovem em um dos muitos megafones. E de fato, seu íntimo intui a verdade; não há um depois para a Palestina transformada em um laboratorio eugênico de Israel. A intenção está impressa na própria realidade de um avanço violento e em todas as direções, reais e ideológicas, sobre o que resta de um povo. Quem tenha olhos, que veja.
A ideologia que justifica Gaza é tão hermética e radioativa, que nem o anacronismo de uma ocupação, limpeza étnica e apartheid envergonha participação direta dos aliados e do silêncio dos intimidados. Especialistas já falam num modelo de “Gazeificação” que começa a ser exportado e testado em algumas regiões do mundo. Ele se daria em um plano real, mas também ideológico.
Em 2019 no Reino Unido, Keir Starmer elegeu-se o novo líder do Partido Trabalhista britânico. Ainda que não sendo de origens judaicas, se autodeclara como sionista e recebe financiamento do movimento sionista. Sua vitória eleitoral foi ostensivamente baseada na estigmatização da luta pela liberdade do povo palestino como anti-semita. Com o mesmo argumento perseguiu, difamou e expurgou como anti-semita e conspiracionista a ala pró-Palestina do âmago do seu partido.
Mas mensagens dos cartazes ontem confrontaram sem eufemismos uma elite incapaz de seu próprio tempo; “Fim ao Sionismo”, “Fim do apartheid em Israel”, “Boicote à Israel”, “Reino Unido, pare de armar os sionistas e ponha fim no apartheid na Palestina”.
Num ato de coragem civil e profunda compaixão e humanidade, dois pequenos grupos de judeus ortodoxos mostravam ao mundo cartazes que muitos progresistas de esquerda têm receio em pronunciar: “Sionismo e Judaísmo são diametricamente opostos”, “Israel é terror de Estado organizado”, “Torá exige a Palestina soberana”.
A coragem destes homens, por serem tão poucos e arraigados em comunidades tradicionais, desautoriza toda a covardia.
Para saber o que acontece em Gaza, leia:
Pela Internacional Progressista
A Palestina está sitiada. Desde segunda-feira, os ataques aéreos israelitas martelaram Gaza sem alívio, dizimando casas, locais de trabalho e gabinetes de imprensa. Até quinta-feira, Israel tinha matado mais de 109 palestinos, incluindo 27 crianças, e o número de feridos subiu para 580. Uma invasão do solo está agora em curso.
No início da semana, Israel lançou uma campanha cruel de limpeza étnica em Jerusalém Oriental, instituindo um plano para expulsar à força cerca de 2.000 palestinos dos bairros do Xeque Jarrah e Al-Bustan. Enquanto os residentes se levantavam para defender as suas vidas, meios de subsistência e lares, o Estado israelita respondia com brutalidade, atacando o povo palestino nas ruas e nos seus locais de culto.
A violenta despossessão do povo palestino não é novidade. Em 1948, quando o Estado de Israel foi estabelecido pela primeira vez, as milícias sionistas forçaram cerca de 750.000 palestinos para fora de vilas, aldeias e cidades, roubando-lhes as suas casas e pertences no processo. Isto é recordado como o “Nakba” – árabe por catástrofe.
Mas a “Nakba” nunca mais acabou. Desde 1948, o povo da Palestina perdeu mais de 85% das suas terras para Israel. A militarização do Estado israelita confinou-os agora a uma série de prisões ao ar livre, nas quais o Estado israelita ensaia rotineiramente as suas cruéis tecnologias de guerra – envenenando o solo, contaminando a água e aterrorizando o povo.
Agora, enquanto as bombas israelitas chovem sobre Gaza, vídeos chocantes partilhados por todo o mundo revelam mais uma atrocidade. Com cânticos de “Morte aos árabes!”, os ultra-nacionalistas percorrem as ruas dos territórios ocupados, aterrorizando os palestinos nas suas casas e saqueando suas lojas, deixando cacos de vidro partido no seu rasto.
Os líderes ocidentais e a imprensa internacional têm apelado rapidamente ao fim do “conflito”, apelando à calma de “ambos os lados”, invocando ao mesmo tempo o direito de Israel à “auto-defesa”. Estes grotescos atos de equívoco apenas servem para minimizar a campanha de terror perpetrada pelo Estado israelita – e para fortificar o seu monopólio sobre a violência.
As intenções de Israel são claras: bater no povo palestiniano até à submissão, e expulsá-lo para sempre da sua terra. “Israel não se prepara para um cessar-fogo”, disse Benny Gantz, Ministro da Defesa de Israel, numa declaração ominosa. “Não há atualmente uma data final para a operação. Só quando conseguirmos um completo sossego é que poderemos falar de calma”.
Sejamos claros: não pode haver equivalência entre opressor e oprimido, entre colonizador e colonizado. Israel é um Estado com armas nucleares, cujas forças armadas são alimentadas por 3,8 bilhões de dólares em subvenções anuais do governo dos EUA. Os palestinos, bloqueados de todos os lados por muros e torres, têm poucos meios para defender os seus direitos face ao mecanismo de guerra de Israel.
Sabemos que a vontade do povo palestino não pode ser acovardada por ameaças e violência. O mundo tem testemunhado repetidamente o aumento da resistência palestina em defesa das comunidades e locais sagrados, casas e terras. Saudamos esta resistência e, sabendo que a liberdade palestiniana está intimamente ligada à nossa, defendemos o direito palestino à defesa e à luta libertadora.
Agora, enquanto Israel cerca os lares palestinianos, a solidariedade e a vigilância do mundo nunca foram tão urgentes.
Nós, membros da Internacional Progressista, apelamos às forças progressistas mundiais a marcharem aos milhões pela vida palestina, pela dignidade palestina e pela libertação palestina. Chegou o momento de pôr fim ao Nakba, boicotar o regime do apartheid, se desfazer da sua máquina de guerra e sancionar os perpetradores dos seus crimes.