Os paraísos fiscais são um inferno

Atualizado em 4 de abril de 2013 às 18:52

Superricos e empresas escondem neles, longe dos impostos, os PIBS combinados de Estados Unidos e Japão.

velassaru-maldives-2O texto abaixo foi publicado, originalmente, no Le Monde.

O que tivemos de ouvir, na sequência da convulsão financeira mundial de 2007-2008! As palavras de ordem sucediam-se: a finança internacional ia ter melhor regulamentação, os paraísos fiscais iam ser impiedosamente combatidos, acabava-se com os buracos negros de um sistema que dá cobertura a todos os abusos. As conclusões de uma reunião do G20 realizada em Londres surgiam como um poço de virtudes.

Os Estados desse círculo da elite mundial prometiam “medidas contra os paraísos fiscais”, arvorando a ameaça de sanções e garantindo, alto e bom som, que “a era do sigilo bancário [tinha] terminado”. Após a crise que agora abalou o Chipre, praça “offshore” privilegiada pelos oligarcas russos e outros amantes da opacidade na gestão dos seus negócios, eis-nos, em França, apanhados pelo turbilhão do caso Cahuzac, um escândalo estatal que põe em causa a integridade e transparência mais elementares, exigíveis a qualquer político, muito mais quando guindado a cargos de alta responsabilidade.

As notícias encadeiam-se, por vezes, a um ritmo vertiginoso. Para que fique claro: a investigação que Le Monde começa hoje a publicar em parceria com GuardianSüddeutsche ZeitungLe Soir e Washington Post, dedicada ao mundo subterrâneo dos paraísos fiscais em escala mundial, não foi motivada pelos tumultos de Nicósia nem pelas trapalhadas do [antigo ministro do Orçamento francês] Jérôme Cahuzac.

A investigação foi iniciada há vários meses. Baseia-se no acesso sem precedentes de um consórcio internacional de jornalistas de investigação a uma gigantesca base de dados, que revela o funcionamento subterrâneo do mundo dos “offshores”. São 2,5 milhões de documentos, que foram passados a pente fino, comparados e cruzados. O resultado é a exposição de uma rede tentacular da finança clandestina.

Nesta massa de documentos, são mencionados dois bancos franceses. Bem como o ex-tesoureiro de campanha de François Hollande em 2012, Jean-Jacques Augier.

A exposição de casos individuais, por mais excitantes que sejam, não deve desviar a atenção da questão de fundo: os paraísos fiscais são uma ameaça para a democracia. Minam o Estado de Direito, apostando na ocultação. São um maná para os defraudadores de todos os quadrantes. Promovem o desvio de recursos públicos, em Estados onde imperam o suborno e a corrupção. Neste mundo de uma criatividade jurídica que parece ilimitada, escondem-se valores colossais por trás de empresas de fachada. Personalidades endinheiradas mantêm aí o equivalente ao PIB conjunto dos Estados Unidos e do Japão.

Agora que este estudo vem à luz, ninguém poderá continuar a fingir que acredita que os dirigentes políticos, apesar do que afirmam, não tenham verdadeiros meios de atuação. É urgente reforçar a regulamentação, os meios de controle, a cooperação transfronteiriça. A luta contra a lavagem de capitais passa por aí. E os bancos ocidentais amantes de esquemas obscuros dificilmente poderão poupar-se a uma resposta clara. Pelo menos, se quiserem que, em tempo de crise, seja dado crédito às suas profissões de fé sobre “ética”.