Devoro os capítulos dedicados a Henrique 8 na monumental história da Inglaterra escrita no século 19 pelo filósofo e historiador David Hume. Sou movido pela curiosidade que a série Os Tudors despertou em mim.
Me chama a atenção a base verídica que esteve por trás da série. Tudo bem que exageraram no sexo para aumentar a audiência, mas mesmo assim ali está uma divertida e profunda lição de história sobre o período em que a Inglaterra criou as fundações para ganhar, logo depois, o mundo.
Henrique tinha todos os defeitos que alguém tem que ter para fazer coisas grandiosas, e algumas das virtudes. Era ganancioso, perdulário, impiedoso, sanguinário, volúvel e inconfiável.
Num determinado momento, exigiu dos súditos ainda mais dinheiro porque estava quebrado por causa de suas extravagâncias. O prefeito de Londres, já avançado na idade, relutou. O rei enviou-o para uma guerra que iniciara contra a Escócia, onde ele acabou preso. Henrique chegou a imprimir dinheiro que ele inventou e por meio de um decreto transformou-o em moeda a ser aceita.
Hume se detém, naturalmente, sobre as mulheres do rei.
Mais do que todas, na primeira, Catarina de Aragão, espanhola. Quando os dois se casaram, ela era a jovem viúva do irmão de Henrique, Artur. O casamento durou pouco porque Artur morreu logo depois, aos 15 anos. Os pais dos dois decidiram que Catarina, em vez de voltar para a Espanha, deveria casar com o irmão dele, Henrique. Ele era mais cinco anos mais novo que ela.
Só que Catarina não deu a Henrique um filho homem, e isso se transformou num pecado capital quando apareceu na corte uma jovem linda, Ana Bolena. Henrique queria Ana, mas para isso teria que se divorciar.
Ele alegou que segundo a Bíblia não era permitido você casar com a mulher de um irmão. Nada na Bíblia sustentava isso, mas Henrique fabricou interpretações de pretensos estudiosos para alimentar a tese – afinal rechaçada pelo Papa, com consequências extraordinárias, como todos sabem: a ruptura da Inglaterra com o Vaticano. Henrique não queria apenas o divórcio, neste caso, mas todos os bens da Igreja Católica na Inglaterra.
Hume se detém numa dúvida histórica fascinante: Catarina era ainda virgem quando se casou com Henrique?
Ele afirmava que não, e isso reforçou sua argumentação para o divórcio. Ela dizia que sim, e numa carta para ele disse que ele sabia muito bem disso. Catarina é muito mais confiável que Henrique, mas para embaralhar as coisas Artur, segundo relatos, se gabou de suas proezas sexuais com a jovem noiva espanhola.
Ficou, para a posteridade, a dúvida.
Aposto, se interessa a alguém, em Catarina.