Os verdadeiros filhotes da ditadura. Por Denise Assis

Atualizado em 12 de junho de 2021 às 22:45
General Mourão e Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP

Por Denise Assis

Bolsonaro e sua turma de generais egressos da Academia Militar de Agulhas Negras – AMAN – são os verdadeiros “filhotes da ditadura”. Não é de espantar que a cabeça desta turma, formada em 1977,  viva povoada de ideias anticomunistas e golpistas. Ainda que não consigam realizá-las. Quando Bolsonaro, Mourão e general Ramos entraram na Academia, a ditadura estava quase pondo um ponto final na luta armada, (dizimadas que foram todas as lideranças da guerrilha urbana), tendo o seu auge de 1969 a 1974. Este foi, por exemplo, o ano do “desaparecimento” do militante Fernando Santa Cruz,  pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, (OAB nacional).

Ao chegarem à AMAN, possivelmente esses jovens – entre 17 e 22 anos, idades limites para o ingresso – devem ter encontrado no comando muitos do que participaram do que costumam chamar de “guerra”, embora apenas um desses lados estivesse fortemente armado.  E mesmo os que não integraram diretamente a máquina repressiva, adoravam fantasiar histórias, contar vantagens e fanfarronices, na falta de algo melhor para fazer, enquanto “tiram serviço”. Não por acaso, Bolsonaro, sem cerimônia, reabriu a ferida de Felipe Santa Cruz, inventando que sabia tudo sobre o que acontecera ao seu pai. Não sabe.

Com ascendência sobre os aspirantes a oficiais militares, a mensagem fascista ia entrando pelos ouvidos e se alojando na alma dos recrutas, mexendo com as suas emoções e provocando arroubos e admiração. Todos eles já mencionaram publicamente ou elogios aos torturadores, – Bolsonaro e seu vice, o general Mourão -, ou ao golpe militar de 1964, com duração de 21 anos de poder nas mãos dos militares.

Não é difícil supor que os relatos ganhavam contornos muito mais fortes e rocambolescos, e uma mensagem final talvez mais violenta do que contém os manuais curriculares. Isto explica o porquê de, hoje, a turma formada em 1977 – a que pertencia Bolsonaro – ser tão mais ruidosa do que os que de fato torturaram, mataram e desapareceram com os resistentes à ditadura. (Alguns ainda vivem).

Os que fizeram das suas, preferem ficar discretos, a serem descobertos e apontados. Quanto aos companheiros de turma de Bolsonaro, vivem da “retrotopia” de Zygmunt Balman, criador do conceito da utopia do passado. Vivem a perda completa da esperança de alcançar a felicidade em algum lugar idealizado no futuro – como a famosa ilha Utopia imaginada por Thomas More –, o que leva a uma glorificação de práticas e projetos de tempos passados. Em seu último livro, o grande pensador da modernidade líquida, falecido em janeiro de 2017, disseca o fenômeno atual de busca por um mundo melhor não mais no futuro a ser construído, mas em ideias e ideais do passado, como nacionalismos exacerbados e fechamento de fronteiras. Chegaram no fim da “festa”, às vésperas da anistia (28 de agosto de 1979).

Os que não viveram a experiência de poder exercitar a crueldade em seu estado puro, como os que “trabalharam” nos porões, ouviam – pode-se imaginar, extasiados -, as histórias dos seus “mentores” e as preleções anticomunistas e de como combater esses “vermes vermelhos: a esquerdalha”, como costumam se referir aos que pensam o país pela via da igualdade. Gostariam de servir à pátria à moda dos seus influenciadores. Veem nesses que “varreram” das ruas os que ousaram enfrentar o arbítrio, os verdadeiros heróis. Uma visão vesga, torta, mas que se tornou para esta turma, a dos “filhotes da ditadura”, um alvo a ser perseguido, para ficar na linguagem das casernas. Anseiam por esta “aventura”. Estejamos atentos e fortes.