Em seu depoimento à CPI nessa terça-feira (22), o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) citou o Japão como exemplo de combate à pandemia que deveria ser seguido pelo Brasil.
Os números japoneses, de fato, são muito melhores do que os brasileiros: 787 mil casos de infecção com 14.408 mortes até a data desta publicação. A reportagem do DCM pediu a uma brasileira residente no país, que prefere não se identificar, que relatasse o que vê em seu cotidiano e dizer até que ponto tal comparação é possível. Leia:
No Japão, o coronavírus chegou no começo de 2020 em virtude da proximidade do país com a China. No início houve a recomendação do fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais, mas isso durou apenas um mês.
Como a projeção inicial de que a contaminação seria grande não se concretizou, diferentemente do que houve na Europa, houve um certo relaxamento que permitiu a retomada a uma relativa normalidade social. Ocorre que desde então, o governo já teve que decretar 3 vezes o estado de emergência em razão da alta de casos.
Existem fatores culturais que diferenciam o Japão dos países ocidentais que contribuiu ao país na contenção da pandemia: o uso de máscara já era disseminado mesmo antes da pandemia, principalmente entre aqueles com algum tipo de problema respiratório como gripes e resfriados, e o fato dos japoneses costumarem tirar os sapatos antes de entrar em casa.
Outro fato é o costume de todo japonês usar sua própria toalha de mão, mesmo na rua. São pequenos atos, arraigados no costume da população, que coibem o compartilhamento do vírus. Quando a pandemia chegou, a sociedade naturalmente já estava mais pronta do que a brasileira para enfrentá-la.
Além disso, fisicamente o país é muito mais preparado do que o Brasil para permitir às pessoas que façam o isolamento social. Não há nada, por exemplo, que possa ser considerado como similar às áreas de favela. Diferentemente de nosso país, não existem problemas como a falta de saneamento básico.
O governo japonês não tem a autorização legal para impôr o lockdown a particulares: no máximo eles podem solicitar ou recomendar o fechamento dos estabelecimentos particulares.
Durante o último estado de emergência, o governo intensificou os pedidos ao setor de bares e restaurantes para que fechassem seus negócios ou limitassem seu atendimento, pedindo ainda para que fosse evitada a venda de álcool. Lei recente permitiu ao governo japonês pudesse multar quem não acatasse tais pedidos, aliás.
Por essas razões culturais e estruturais, não dá para comparar as realidades japonesas e brasileiras no que se refere ao combate da pandemia: os japoneses pensam coletivamente muito mais do que os brasileiros desde sempre. Além disso, o julgamento externo, da família, do vizinho, do colega de trabalho, é muito importante para os cidadãos daqui. Agir de forma diferente do recomendado gera um desconforto pessoal que deve ser evitado.
Os negacionistas japoneses existem, mas em menor número, exatamente em razão desse constrangimento social.
Não há ponto de intersecção válido entre Brasil e Japão para qualquer tipo de comparação, como a que fez Osmar Terra hoje na CPI, exceto o fato de ambos estarem sob a gestão de conservadores que privilegiam a economia em detrimento da saúde. Prova disso é que as Olimpíadas serão realizadas, mesmo com a opinião pública majoritariamente contrária.
Por incrível que pareça, no Brasil a vacinação anda a passos menos lentos do que no Japão: enquanto o país governado por Bolsonaro já vacinou completamente 11,5%, o país do primeiro-ministro Yoshide Suga só vacinou com a segunda dose 7,7% da população.
O premiê, aliás, está com altos índices de rejeição e sua reeleição está em risco, muito por conta da gestão da crise do coronavírus, tal como ocorreu nos EUA com Donald Trump
A quantidade de casos no Japão foi bem menor do que no Brasil mas também existiram casos de pessoas que morreram em casa, sobretudo pelo fato dos hospitais públicos, a minoria da rede, estarem com sua capacidade esgotada nas UTI’s.
A expectativa na sociedade japonesa, contudo, é bastante pessimista: acredita-se que as Olimpíadas podem alavancar novamente o número de casos.