“Nós estamos chegando ao que a Colômbia foi nos anos 1990, com uma diferença grave: lá na Colômbia havia o Pablo Escobar. Aqui no Brasil nós temos mais de 50”.
As palavras são de Wallber Virgolino, secretário estadual de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, onde uma chacina deixou ao menos 26 mortos, todos decapitados, e um motim não tem hora para terminar.
“Existe uma facção em nível nacional que quer dominar o Brasil, mas o Estado desconsidera sua existência”, acrescentou. “Ele (o PCC) vem crescendo e as facções locais tentam impedir, até por questão de sobrevivência física e financeira.”
José Padilha, produtor executivo da série “Narcos”, apontou que só o realismo fantástico de Gabriel García Márquez era capaz de explicar uma história como a de Pablo Escobar na Colômbia.
Os elementos centrais da trajetória de Escobar, no entanto, não são nada estranhos para nós. Nada.
Basta ver o que ocorreu em São Paulo com o Primeiro C0mando da Capital e seu chefão, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
Escobar criou um império montado no tráfico de cocaína. Começou a cair quando resolveu sair de sua, digamos, zona demarcada para atender sua enorme ambição: ser político.
Deu casa, comida e dinheiro aos pobres. Fez um bairro. Elegeu-se deputado. Forçado a renunciar, passou a empreender uma guerra contra o estado.
Mandou matar Carlos Galán, o candidato à presidência que advogava a extradição de traficantes para os EUA. Armou atentados a bomba em várias localidades. Um avião foi explodido.
A paz foi restabelecida quando ele chegou a um acordo com o presidente eleito César Gaviria. Escobar concordava em ir para a prisão, desde que a construísse. Ergueu “La Catedral”, uma espécie de resort, guardado por policiais pagos por ele, de onde continuou mandando no crime.
Saiu de lá fugido, para morrer meses depois no telhado do vizinho, alvejado por agentes da DEA.
O PCC é financiado, sobretudo, pelo narcotráfico, embora haja também roubos de cargas e assaltos a bancos. Controla, segundo os dados disponíveis, as prisões paulistas e quer as cadeias de outros estados.
O acerto entre Gaviria e Escobar não é excepcionalidade colombiana. De acordo com o depoimento do delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, vazado em 2015 para o Estadão, houve um encontro entre representantes do então secretário de Segurança Pública de SP com Marcola no presídio de Presidente Bernardes.
O ano era 2006. A intenção era pôr fim a uma onda de ataques que incluiu mortes de PMs e ônibus incendiados. O ex-governador Claudio Lembo admitiu que autorizou. Ele substituía Geraldo Alckmin, que renunciara para concorrer ao Planalto.
Na reunião, teria sido negociada a rendição dos bandidos. A integridade física deles, porém, precisava ser garantida. Alckmin negou tudo. “São Paulo não tem acordo nenhum com crime nenhum. É uma coisa disparatada”, reagiu, indignado.
O fato é que Marcola, desde então, foi internado apenas uma vez no chamado Regime Disciplinar Diferenciado, extremamente rigoroso.
A atuação dos EUA, que tiveram papel preponderante na caçada a Escobar, foi aventada em SP. O Wikileaks vazou que Serra, quando assumiu o governo em 2007, teve uma reunião com o embaixador americano Clifford M. Sobel em busca de orientação sobre como lidar com os atentados em estações do metrô atribuídos ao PCC.
A organização esteve à frente das crises de segurança pública de 2001, 2006 e 2012. Só cresce de tamanho depois de cada uma delas.
Há nove anos, em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, um deputado questionou Marcola sobre as outras pessoas que faturam em cima de suas atividades.
“Tanta gente ganha dinheiro às nossas custas, senhor…”, afirmou. “Usam a gente, os próprios políticos. O senhor sabe disso”.