Pacote de Guedes: rumo ao Chile e a lugar nenhum. Por Fernando Brito

Atualizado em 6 de novembro de 2019 às 7:31
Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro Foto: Mauro Pimentel / AFP

Publicado originalmente no blog Tijolaço

POR FERNANDO BRITO

Existem muitas maneiras de dirigir um país e todas elas dependem de um rumo.

O pacote apresentado hoje – e é só a primeira parte – pelo Ministro Paulo Guedes tem um e não se pode dizer que incoerente com o que ele pensa.

É o encolhimento do Estado e, sobretudo, do Estado Nacional.

Num e noutro papel que ele tem no Brasil: indutor do desenvolvimento e mitigador das desigualdades sociais.

O Estado federal abre mão de receitas e despesas, mas as primeiras cairão muito mais rapidamente que aquelas e o resultado – desejado, claro – é a aniquilação do investimento público, já instalado na UTI, minguando há cinco anos e, agora, absolutamente inviabilizado.

Confia-se que o investimento externo vá suprir este papel, mas sem consumo é difícil que este vá encarar a empreitada. Raras vezes o fez e seu apetite tem sido, essencialmente, abocanhar o que está feito e funcionando e, quase sempre, com financiamento do Estado.

A taxa de investimento no Brasil fica em torno de 15% do PIB e precisaria ser perto do dobro para garantir crescimento que mereça este nome.

Chamar investimento para energia, saneamento, estradas, ferrovias etc… é algo que depende da atratividade de uma economia interna crescente ou são ofertas de mãe para filho, que são negócios de oportunidade, mais que de reprodução de capital.

Em matéria de política industrial, a eliminação de desonerações e de tarifas protetivas vai resultar em uma provável queda da produção industrial, de resto a última preocupação deste governo, firmemente disposto a nos retroceder a colônia agrícola.

As supostas transferências de receitas para Estados e Municípios de receita, igual, virão acompanhadas de transferências de responsabilidade por gastos sociais e, muito embora possam dar certo em uma dúzia e meia de comunidades, significarão, no mais das vezes, perda de qualidade de vida naqueles que dependem de políticas nacionais de saúde, educação, saneamento e todo o leque de ações que hoje se executa em escala nacional, ainda que de forma deficiente.

Água e esgoto para cidades de 10 mil ou 20 mil habitantes não têm escala para serem bancadas pela iniciativa privada, como não têm rodovias longas e pedagiadas, nem energia elétrica ou rodovias pedagiadas para os rincões, senão a preços escorchantes.

Nem entrei nos problemas de viabilidade política deste mal assumido “modelo chileno” que Paulo Guedes ensaia.

E o primeiro deles passa longe da oposição que vai enfrentar no Congresso: é mesmo o da conformação de um país que não é como o Chile e sua fantástica concentração populacional em grandes regiões metropolitanas: mais de 50% da população em Santiago, Concepción e Valparaíso.

Por mais que sejamos urbanizados, seria pensar a Grande SP, o Grande Rio e a região metropolitana de BH somando mais de 120 milhões de habitantes.

É evidente que o risco de sair do Congresso um monstrengo, que nem mesmo seja um projeto, ainda que errado, que guarde coerência interna, é imenso.

O mais provável é que, entretanto, não saia nada, ou quase nada.

Porque agora não é apenas tirar do trabalhador, como na Reforma da Previdência, e com apoio unânime de mercado.

Não vai bastar eliminar os “bodes”, como a proposta de redução do municípios em pleno ano de eleições municipais.

Apenas para argumentar como se fosse sério:se tem lógica econômica – como teve Janio Quadros com a eliminação dos “ramais deficitários” da Rede Ferroviária, tem consequências que os mais velhos, se apertarem a memória, lembrarão nos lugarejos do Vale do Paraíba – não tem racionalidade política, por arruinarem o modus vivendi que, mal ou bem, estas comunidades alcançaram.

Há uma diferença entre o ser socialmente criativo e o “inventar ” tecnocrático.

Pior ainda quando a “invenção” já foi testada e reprovada, como estamos vendo ao lado.