Pacote de Moro “redefiniu como legítima defesa até o medo e a surpresa”, diz conselheiro dos Direitos Humanos. Por Donato

Atualizado em 5 de fevereiro de 2019 às 10:56
O “excludente de ilicitude” foi uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro Foto: reprodução do youtube

“A proposta é inconstitucional já que a Constituição Federal prevê que todos são iguais perante a lei e esse projeto coloca os policiais acima e fora das leis”.

É o que afirmou ao DCM o advogado Ariel de Castro Alves, que é conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, sobre o pacote anticrime apresentado por Sergio Moro na tarde de ontem.

“A proposta do ministro da Justiça legitima execuções e extermínios praticados por policiais. Uma verdadeira lei do abate aos jovens pobres. Policiais poderão matar à vontade justificando que suas vítimas estavam em ‘atitude suspeita’. Adolescentes e jovens negros serão as principais vítimas – como já ocorre atualmente – mas em proporções maiores. O ‘medo, surpresa e violenta emoção’, segundo a proposta, servirão para atenuar ou excluir a responsabilização penal de policiais assassinos. ‘Risco iminente de conflito armado’ também servirá como alegação de legítima defesa’”.

Ariel de Castro Alves revelou estar preocupado ainda com o fato de que policiais respondam aos inquéritos e processos em liberdade, podendo coagir testemunhas. O advogado não é caso isolado. A OAB também resolveu fazer uma varredura no projeto. “Preocupa-nos que o projeto possa levar a uma maior letalidade da polícia brasileira, que já é uma das que mais mata no mundo”, declarou Felipe Santa Cruz, presidente da associação.

O “excludente de ilicitude” foi uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro. É um dispositivo que pode até isentar plenamente de culpa e de cumprimento de pena o policial que agir em legítima defesa e o pacote de Sergio Moro redefiniu como legítima defesa até o ‘medo e a surpresa’. Ora, todo policial tem medo e a surpresa só não existe nos duelos de faroeste.

Desde os tempos da ditadura que ações que resultam em mortes de ‘suspeitos’ eram descritas nos boletins de ocorrência como “auto de resistência”. Nem é preciso dizer que a maioria das vítimas era de negros pobres.

Desde 2012 tramita um projeto de lei (o 4471, do deputado Paulo Teixeira do PT) que além de exigir o fim do termo “auto de resistência”, obriga a preservação da cena do crime; obriga a realização de perícia e coleta de provas imediatas; veta o transporte de vítimas em ‘confronto’ com agentes, que devem chamar socorro especializado; define a abertura de inquérito para apuração do caso.

O máximo de avanço obtido até hoje foi que em 2016 o Conselho Superior de Polícia e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil até aboliu a utilização do termo (no entanto apenas substituiu “resistência seguida de morte” por “morte decorrente de oposição à violência policial” enquanto o PL 4471 propõe que use “morte decorrente de intervenção policial”) e em 2017 a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o projeto de lei. Desde então, nada.

Até hoje nada nunca foi feito efetivamente no intuito de impedir os policiais de forjarem resistência, de simularem terem sido recebidos a tiros. Mesmo quando um estudo realizado com nada menos que 12 mil autos de resistência registrados no Rio de Janeiro comprovou que 60% deles foram execução pura e simples, muitas com tiro na nuca.

O pacote de Moro nada colabora para que isso pare. Ao contrário, amplia o leque de justificativas aceitáveis.