Publicado na Gazeta do Povo por Rogério Waldrigues Galindo
Na semana passada, circularam fotos do Palácio Garibaldi, um símbolo histórico de Curitiba, “deformado” por uma estrutura transparente colocada à frente de sua fachada. Uma obra que chamou a atenção não só pelo inusitado como pelo gosto duvidoso.
Descobriu-se que se tratava de uma obra provisória feita para o casamento da deputada Maria Victoria, do PP, agendado para este fim de semana. A assessoria da deputada garantiu que não se cometeu um único arranhão contra o prédio histórico e que tudo será devolvido como foi encontrado.
A necessidade da obra é para ampliar o espaço, já que a festa promete reunir 1,2 mil convidados, inclusive aquilo que em outro tempo se chamava de “próceres da República”. Dizem que o próprio Michel Temer pode vir. Não é para menos: o pai da deputada é o ministro da Saúde, Ricardo Barros. Sua mãe é a vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti.
Depois da obra, também se descobriu uma outra informação on-line ligada ao casamento da deputada. Numa loja de presentes elegantes, está registrada a lista de presentes de Maria Victoria e do noivo, Diego Caetano da Silva Campos, um advogado que desembolsou R$ 60 mil no ano passado para bancar a campanha da amada à prefeitura de Curitiba.
A lista é basicamente de objetos para cozinha. O que chama a atenção são os preços (além, obviamente da qualidade dos presentes).
Quanto, por exemplo, você toparia pagar numa garrafa térmica? Fazendo essa pergunta mesmo para viciados em café de classe média, não ouvi nenhuma resposta acima de R$ 100, mesmo pensando na melhor garrafa do mundo. O casal, porém, está pedindo um modelo de prata que custa nada menos do que R$ 2,3 mil.
Os preços são todos assim. Um liquidificador? R$ 1,5 mil. Uma batedeira? R$ 2,8 mil. Há pratos cuja unidade (isso mesmo, um único prato) sai por R$ 600. E o açucareiro, provavelmente reservado para um convidado mais modesto, sai por meros R$ 409.
Entre os itens mais caros há um jogo de taças (30, de cristal, Strauss) por pouco mais de R$ 10 mil e um conjunto de jantar por R$ 12 mil. Há vários faqueiros, com preços que variam em geral entre R$ 4 mil e R$ 5 mil.
Talvez seja injusto cobrar da deputada que abra mão de qualquer desse luxos, ou criticá-la por viver assim. Afinal, num país capitalista nada há de ilegal em acumular riquezas (e mesmo no comunismo chinês Deng Xiaoping afirmou que era “glorioso enriquecer”).
Talvez seja até injusto revelar todos os luxos da deputada. Mas, por outro lado, talvez não seja. Porque para entender uma sociedade é importante saber como vivem suas classes dirigentes. E, neste sentido, a história de Maria Victoria é um exemplo inacreditável.
A deputada é neta de um prefeito. Seu pai, aos 29 anos, assumiu a prefeitura da mesma cidade. Depois, conseguiu eleger por duas vezes o irmão mais novo), tio da deputada. A mãe se elegeu deputada estadual, federal e vice-governadora. Agora é candidata ao governo estado, e tem apoio do marido, que a essa altura é ministro.
A própria Maria Victoria, mal chegada à vida adulta, disputou uma cadeira na Assembleia. E, claro, com o apoio da família que domina Maringá, se elegeu. Em breve já era candidata a prefeita de Curitiba, ainda na casa dos 20 anos. Sabe-se lá aonde poderá chegar.
Nada de dar o peixe
Por um lado, é interessante em si só saber como funcionam as relações dos políticos que chegam a esses cargos. Mas isso também ajuda a pensar nas políticas públicas que eles discutem. A própria Maria Victoria, por exemplo, assim que chegou a seu primeiro mandato na Assembleia, entrou num carro de choque da PM (no famoso episódio do Camburão), para votar projetos que retiravam benefícios do funcionalismo e que tiravam dinheiro da previdência.
O pai da deputada, ao assumir o Ministério da Saúde fez uma série de declarações polêmicas sobre os benefícios concedidos à população. Disse que é preciso diminuir o tamanho do atendimento público de saúde e aposta em repassar as pessoas para planos particulares.
Cida Borghetti participa também de um governo liberal, que apostou todas as fichas em reduzir o Estado e fazer reformas de “austeridade”. E para isso contou com o voto da filha na Assembleia.
A própria Maria Victoria também defendeu a política do pai quando ele relatou orçamento federal pedindo o corte de bilhões destinados ao Bolsa-Família. “É triste ver o governo federal dando o peixe, ao invés de ensinar a pescar”, escreveu a deputada na época.