Para advogados, limitar desoneração via MP é inconstitucional e gera instabilidade

Atualizado em 29 de dezembro de 2023 às 19:57
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Publicado originalmente no ConJur

Publicada na quinta-feira (28/12) com o objetivo de limitar a desoneração da folha de pagamento, a Medida Provisória 1.202/2023 é inconstitucional, viola direitos adquiridos do contribuinte e causa ampla instabilidade jurídica.

Essa é a análise de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o texto, divulgado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como parte do esforço do governo para atingir o déficit zero em 2024.

A medida tem dois pontos particularmente preocupantes para as empresas. O primeiro estabelece limite para a compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado e que superem o valor de R$10 milhões.

O limite será estabelecido pelo ministro da Fazenda e, segundo Haddad, deve ter como teto cerca de 30% do montante. Haverá também uma gradação de acordo com o valor total do crédito.

Nas palavras de Haddad, a ideia é “evitar que multinacionais fiquem 5 anos sem pagar imposto”. Para Breno Dias de Paula, restringir ou limitar o direito à compensação de créditos é inconstitucional.

Primeiro porque essa é uma matéria reservada a lei complementar. Segundo porque a medida do governo viola o direito de propriedade. “Confessadamente é uma espécie de empréstimo compulsório sem preenchimento dos requisitos constitucionais do artigo 148 da Constituição.”

Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, classifica a iniciativa como um “verdadeiro calote”, destinado a limitar os efeitos das decisões judiciais desfavoráveis ao Fisco como no caso da exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo do ICMS — a chamada “tese do século”.

“Além de toda a inconstitucionalidade de se restringir o uso de direito reconhecido em decisão transitada em julgado, o valor a ser compensado será definido pelo ministro da Fazenda, certamente conforme as conveniências da arrecadação. A rigor, esse limite poderá chegar ao cúmulo de se alongar a compensação do crédito por até 60 meses”, destacou.

Thais Veiga Shingai, sócia de Mannrich e Vasconcelos Advogados, explica que a restrição impacta o planejamento econômico e fiscal já traçado pelas empresas para 2024, já que poderia ser aplicada inclusive aos créditos tributários já existentes. A consequência é a judicialização.

“O mercado já está falando em judicializar, especialmente porque a medida provisória viola direitos adquiridos, direitos já constituídos. Isso é inconstitucional, e a medida provisória também vai acabar desrespeitando decisões judiciais transitadas em julgado que conferiram às empresas o direito de recuperar o crédito sem nenhuma limitação temporal.”

Para exemplificar o problema, Diogo Olm Ferreira, advogado tributarista do VBSO Advogados, propõe um cenário hipotético: um contribuinte que possui crédito de R$ 60 milhões contra a Receita Federal.

Se esse contribuinte tiver débito de PIS e Cofins a pagar de R$ 10 milhões em determinado mês e o limite máximo de 1/60 do valor total do crédito para cada mês for adotado, ele poderá compensar apenas R$ 1 milhão no mês, tendo que desembolsar os outros R$ 9 milhões.

“Inclusive, o governo continuará devendo a devolução dos indébitos, que serão atualizados pela taxa Selic. Em certa medida, o governo está se financiando a partir de créditos detidos pelos contribuintes”, disse.

Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Foto: Sérgio Lima/Poder360

Reoneração insegura

O segundo ponto de grande preocupação é a decisão de reonerar gradualmente a folha de pagamento, com a desoneração parcial apenas do primeiro salário mínimo. A medida, na prática, contraria a desoneração, que foi mantida pelo Congresso Nacional após veto do presidente.

A desoneração ocorre por meio da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), que pode ser recolhida por 17 setores da economia sobre o faturamento, em vez da folha de pagamento, um benefício que vem sendo renovado desde 2011.

A última renovação foi justamente a da Lei 14.784/2023, que foi promulgada na quarta-feira (27/12) e já impactada pela MP editada no dia seguinte. Segundo Thais Veiga Shingai, “a medida nasce hoje revogando uma lei de ontem para criar uma sistemática totalmente nova”.

“Embora haja razões para a gente revisitar a CPRB, e isso é sempre válido, o principal ponto de atenção é a insegurança jurídica. As empresas têm que optar pela CPRB agora em janeiro e mal sabem o que vai acontecer com o regime”, afirma.

Segundo a MP, que precisa passar pelo Congresso, os efeitos da reoneração gradual valem a partir de abril. E se a MP caducar e cair? “Essa medida provisória preocupa muito por criar um ambiente de insegurança, de instabilidade jurídica, que é muito ruim”, aponta a advogada.

Para Breno Dias de Paula, a reoneração é de uma total contradição. Ele avalia que o gesto contraria o significado da decisão do Supremo Tribunal que acaba de chancelar a terceirização e a possibilidade contratação pessoas jurídicas. “Os empresários não sabem o que devem seguir: a orientação do Congresso Nacional ou a do Poder Executivo. Isso tudo 4 dias antes do ano acabar.”

“O equilíbrio fiscal é fundamental, mas não deve ser buscado pelo aumento de receita e da carga tributária, e sim, por meio da eficiência do gasto público e da redução das despesas. A reoneração vai afetar a atividade industrial, os investimentos, a competitividade e a busca pela reindustrialização do país, que é um dos objetivos do próprio governo”, concluiu.

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