Para Bolsonaro, ser ‘pai da mentira’ é tão ruim quanto ‘ladrão de joias’. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 23 de agosto de 2023 às 10:35
Ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

Investigação da Polícia Federal a partir do celular do empresário Meyer Nigri mostra que o então presidente Jair Bolsonaro era o “difusor inicial” de mentiras sobre o STF, as urnas eletrônicas e as vacinas contra a covid-19.

Foram ao menos 18 mensagens entre fevereiro e agosto do ano passado, período pré-eleitoral e eleitoral. A partir daí, elas foram repassadas para uma rede maior de contatos – que, por sua vez, distribuíram as mentiras adiante. Afinal, era o dono da Tecnisa intermediando conteúdo do chefe do Poder Executivo em pessoa.

Após a informação ter sido publicada em reportagem de Aguirre Talento, no UOL, nesta quarta (23), recebi de uma liderança evangélica que não está na política e segue uma trilha mais progressista, o link do texto com o comentário irônico “Não era João 8:32, mas João 8:44”.

O primeiro trecho do Evangelho de João é o preferido do ex-presidente. “Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará”, diz. Já o segundo termina com uma famosa citação, muito usada em pregações a cristãos: “Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira”.

Para o pastor em questão, a operação da PF coloca Jair como “pai da mentira”.

Mesmo com todos os escândalos, Bolsonaro tem demonstrado resiliência junto ao seu público mais fiel. Para esse grupo, chama-lo de “genocida” ou “golpista” não causa grande impacto. Primeiro porque são dois termos pouco palpáveis. Segundo, pois é mais fácil criar dúvidas sobre a responsabilidade pelas mortes na pandemia ou pela tentativa de golpe de Estado.

Mas a percepção de duas outras lideranças evangélicas com quem a coluna conversou nesta terça foi de que, diante do escândalo das joias doadas por governos árabes ao Brasil, muitos fiéis bolsonaristas recolheram-se nas redes, evitando defender o presidente.

A Polícia Federal indica que houve desvio de patrimônio público e lavagem de dinheiro, com os produtos de luxo sendo vendidos a ricaços nos Estados Unidos para benefício pessoal de Jair.

Ser pego surrupiando ouro e diamantes que pertencem ao povo não precisa de muita explicação, ao contrário de genocídio e golpismo. Qualquer cristão conhece bem o “não furtarás” dos Dez Mandamentos no livro de Êxodo, capítulo 20, tanto quanto a história do pecado de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.

Coincidentemente, o ex-presidente desabou no Índice de Popularidade Digital medido pelo instituto de pesquisa Quaest após a PF deflagrar a nova fase de operações sobre as joias chamada de “Lucas 12:2”. “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”, diz o versículo desse evangelho.

Como a queda de Jair não significou um crescimento na popularidade digital de Lula, a questão é o silêncio de parte dos seguidores de Jair. Outra parte segue estridente, comparando o Rolex de Jair com um crucifixo do petista – peça de arte que a própria Lava Jato confirmou ser mesmo dele.

O conjunto de joias e Rolex recebido por Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

Esse grupo não abandonou o ex-presidente, mas também não sai em sua defesa neste caso. E aí pode estar boa parte dos evangélicos, que o apoiaram em peso durante as eleições.

A questão das joias tem uma dimensão moral que pode não afetar o bolsonarismo-raiz, mas atinge outros eleitores do ex-presidente, nem que seja por uma vergonha temporária. O mesmo padrão pode acontecer se disseminada a comprovação de que ele foi mesmo o “pai das mentiras” contadas nas eleições.

Claro que, para quem acompanha a política brasileira, saber que o ex-presidente ou seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, são a fonte das fakes não é nenhuma novidade. Mas uma investigação da Polícia Federal comprovar isso, com o agravante de que mensagens citavam “sangue” e “guerra civil” no caso de derrota nas eleições, tem potencial de estrago.

Pois “sangue” e “guerra civil” foram vistos no dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas tentaram dar um golpe de Estado em Brasília.

Vale acompanhar os desdobramentos da investigação da PF para verificar se as revelações terão impacto mais duradouro nesse público que está em silêncio. Ou seja, se a vergonha temporária de defender Bolsonaro se tornará permanente.

Originalmente publicado no Uol

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