“Para o turista, favela é só uma parte típica do Brasil”

Atualizado em 4 de junho de 2013 às 20:20

Um estudante alemão fala sobre como os estrangeiros encaram a nossa pobreza — e como nós a enxergamos.

Rocinha
Rocinha

 

O post sobre o turista alemão Daniel Frank Baijain, baleado na Rocinha, gerou uma discussão rica no Diário. Baijain deve ter alta em dois dias e ainda não ficaram claras as circunstâncias do crime. A irmã descartou a versão de que o motivo foi o fato de Baijain ter fotografado bandidos. O amigo que estava com ele na visita retornou a seu país na segunda (3).

Wolfram K, estudante alemão, deixou um depoimento sobre como os estrangeiros encaram a pobreza brasileira – e como nós a enxergamos. “Os turistas não cresceram com essa situação de sempre estar de olho na rua para ver se há pessoas com cara estranha”, diz. Eis seu relato:

Eu sou alemão, atualmente estudando um semestre em São Paulo. Já é a segunda vez que moro no Brasil. Uns quatro anos atrás morei aqui por um ano.

Eu gosto de viajar para outros países, então também sei o que significa “ser turista”. Infelizmente, não viajei muito pelo Brasil ainda. Por exemplo, me falta conhecer o Rio.

Pouco antes do alemão ser baleado no Rio, eu tive uma discussão justamente sobre esse tema dos turistas irem para favelas para conhecer a pobreza e tirar fotos dos “bichos exóticos”.

Eu acho que a maioria dos turistas escolhe os lugares que visita segundo o que é conhecido. Turistas que visitam a Alemanha, provavelmente, vão para Munique ou Berlim e não para aquele vilarejo pequeno, que é bonito demais, onde se produz vinho e onde dá para fazer caminhadas. Não, o turista prefere Berlim, onde vai tirar uma foto com um pé no antigo lado leste e o outro no antigo lado oeste da Alemanha. Mas provavelmente também é curioso e quer aprender sobre a história e vai a um museu.

Curiosidade é provavelmente também a principal razão por que turistas vão visitar uma favela. Outra razão pode ser o fato de que é uma das coisas conhecidas do Brasil. Igual à Oktoberfest, a festa da cerveja na Alemanha. É muito difícil chegar a algum lugar do mundo sem alguém me perguntar sobre essa festa. Irónico que eu nunca tenha ido.

Sobre a questão da segurança. A maioria dos turistas sabe muito bem que precisa ter cuidado. O problema é que é pouco provável que eles realmente saibam o que esse perigo significa. Eles não cresceram com essa situação de sempre estar de olho na rua para ver se há pessoas com cara estranha. Talvez nunca tenham estado numa situação na qual seria melhor pegar um taxi para andar três quadras, em vez de caminhar. Essa falta de consciência, que não é culpa deles e nem sempre ignorância, mas simplesmente “não saber melhor”, provavelmente pode resultar muitas vezes em assaltos ou roubos.

Mas tem mais uma coisa que eu acho interessante com relação a essa situação. Como estrangeiro, eu tenho às vezes a impressão de que um brasileiro pode falar (e reclamar) sobre a desigualdade aqui no Brasil, mas parece que não é tão aceito no geral que um estrangeiro fale sobre isso. Pode ser interpretado como um “ataque” ao orgulho. (Se não for isso, me leve a mal).

Agora, a parte mais interessante é que a maioria dos brasileiros que falam tanto sobre a desigualdade e a injustiça nunca tenha ido a uma favela para conhecer um pouco da realidade das pessoas que moram lá. (Eu não vou comentar sobre aquele programa da Globo, “Esquenta”, que vocês mencionaram, porque eu nunca assisti. Mas talvez seja ali que se cria a opinião sobre a vida na favela?)

Para um estrangeiro, o termo “favela” não tem o mesmo significado que para um brasileiro. Para o turista, é só uma parte típica do Brasil. Para um brasileiro, significa muito mais. Tem todo o conceito de pobreza, desigualdade (e talvez vergonha?) numa palavra. Será por isso que os brasileiros prefiram mostrar outros lugares que são mais “bonitos”?

Além disso, o turista já ouviu sobre a desigualdade, mas nem sabe o que realmente significa. Ele não sabe que isso significa uma separação entre as classes sociais, onde uma tem certa aversão de ter contato com a outra. Resulta que o turista não vai ter esse medo de contato com alguém de uma classe social que é diferente da dele. Para ele, simplesmente vai ser um brasileiro.

Quando escrevo isso, parece que estou negando o caso de um turista que vai para ver “os pobres como num zoológico”. Eu sei que existe essa tendência de sempre ver algo diferente e talvez mais perigoso. Mas eu acho que não são todos que fazem isso. Tenho vergonha daqueles que são assim.