Para salvar o planeta, exproprie os ricos. Por Liza Featherstone

Atualizado em 24 de abril de 2021 às 20:59
Tom Brady e Gisele Bündchen participam de uma festa de gala no Metropolitan Museum of Art na cidade de Nova York em 2018. (Jason Kempin / Getty Images).

Originalmente publicado em JACOBIN BRASIL

Por Liza Featherstone

A supermodelo Gisele Bündchen está na capa da edição especial de sustentabilidade da Vogue Hong Kong neste mês, parecendo radiantemente feroz, envolvida em cabelos longos e as enormes plantas frondosas da selva da Costa Rica. Bündchen é uma das influenciadoras ambientais mais famosos do planeta. Seu Instagram mostra seu compromisso ininterrupto de aumentar a consciência ambiental pública, com fotos beatíficas de Bündchen ou de seus filhos (quase igualmente bonitos) curtindo praias, florestas ou plantas domésticas.

Bündchen não está nessa apenas pelos “likes”. Ela apóia inúmeras organizações ambientais e é famosa pelo comportamento ecologicamente virtuoso de sua família. A Vogue Hong Kong, ao descrever esses compromissos, apelidou Bündchen de “supermodelo altruísta”. Ela e seu marido, o lendário quarterback Tom Brady, usam composteira e criam abelhas. Um de seus filhos até evita presentes de aniversário por preocupação com a poluição do oceano por plástico.

Ainda assim, apesar das homenagens no Instagram a #biodiversidade, a família Bündchen e Brady é muito menos “sustentável” do que qualquer família aleatória do Kansas ou Queens.

Com um patrimônio líquido de US$ 540 milhões, a família Bündchen e Brady é parte do problema climático, não um modelo inspirador de aspiração ecológica. O relatório ““Emissions Gap” [“Lacuna de Emissões”] das Nações Unidas para 2020 descobriu que as emissões do 1% mais rico da população global são maiores do que as de todos os 50% mais pobres combinados. Na verdade, a ONU descobriu que os 50% da base podem aumentar seu consumo várias vezes sem afetar as chances da civilização de alcançar as metas do Acordo de Paris para reduzir as emissões e o 1% do topo precisa urgentemente reduzir sua pegada de carbono em 30%.

Conforme observado em um relatório recente de pesquisadores da Universidade de Sussex (para a Comissão de Sustentabilidade de Cambridge), a ênfase do movimento climático na contribuição do consumo doméstico para a mudança climática muitas vezes negligencia a especificação de qual consumo devemos nos preocupar mais. Como em muitos outros assuntos, os ricos são o problema. Os pesquisadores de Sussex citam outro estudo de 2020 sobre o crescimento das emissões globais de 1990 a 2015, que descobriu que os 10% mais ricos do planeta foram responsáveis por quase metade desse crescimento, com os 5% mais ricos responsáveis por mais de um terço. Em contraste, o impacto do carbono dos mais pobres do mundo foi “praticamente insignificante”.

Muitas pessoas ricas, como Bündchen, têm compromissos ambientais sinceros. Mas eles estão colocando a terra em perigo de qualquer maneira apenas por fazerem todas as coisas que os ricos fazem.

Veja os automóveis, por exemplo. Pessoas ricas possuem muitos deles. Quanto mais alta a renda de uma família, em geral, mais veículos ela possui. Bündchen e seu marido teriam cerca de 20 carros.

Outra catástrofe ecológica de riqueza começa, literalmente, em casa. A menos que você possua ou opere uma empresa de combustível fóssil, aquecer e resfriar sua casa é provavelmente a coisa que gera mais carbono. Quanto maior a casa e quanto mais casas você tiver, pior será o impacto ambiental. As casas dos ricos são muito grandes e eles possuem muitas delas.

Bündchen e Brady vivem em muitas casas espetacularmente grandes, sempre várias de uma vez. Aqui estão mais algumas de suas habitações. Sua mansão de 12 mil pés quadrados em Brookline, Massachusetts, que tinha um estúdio de ioga e uma adega, foi vendida por US$ 32,5 milhões. Depois de alugar a mansão muito maior de Derek Jeter em São Petersburgo, Flórida, eles compraram uma propriedade de US$ 17 milhões na Ilha Indian Creek, em Miami, perto de Jared Kushner e Ivanka Trump. Atualmente, eles também têm mansões em Tribeca e Big Sky, em Montana.

Da mesma forma, não há maneira rápida de viajar entre as propriedades de Bündchen e Brady sem abusar ainda mais da terra; as viagens aéreas são muito responsáveis pelas emissões de carbono. Aqui, novamente, o problema é a riqueza: em qualquer ano – com COVID ou não – a maioria das pessoas nunca pega um avião, enquanto os mais ricos do mundo pegam a grande maioria dos voos. Embora os jatos particulares dos super-ricos representem apenas uma pequena fração desses voos, eles emitem vinte vezes mais dióxido de carbono do que os aviões comerciais. Quando os ricos tentam ser mais criativos com o transporte, os resultados são ainda piores: um superyacht, com heliporto, piscinas e submarinos, é, segundo algumas estimativas, o bem mais ecologicamente incorreto que uma pessoa pode possuir.

Uma das razões pelas quais esses dados são necessários é que muitas pessoas presumem que viver um “estilo de vida” mais ecológico é um luxo (e a bajulação da mídia sobre os compromissos ecológicos de celebridades como Bündchen contribui para esse equívoco). Olhamos para o preço dos vegetais orgânicos, ou o custo de instalação de pisos geotérmicos, e concluímos que reduzir a pegada de carbono de nossa casa deve ser, para usar a frase convincente de Catherine Liu, uma forma de “acumulação de virtude” disponível apenas para as classes privilegiadas.

Podemos supor que o dinheiro liberaria as pessoas para seguir hábitos mais ecológicos – apostando em produtos da Tesla, ou naquela roupa de um designer famoso feita de algodão reciclado, em vez de dirigir calhambeque ao Walmart para estocar lixo plástico descartável. Na verdade, a pesquisa mostra exatamente o oposto. O impacto ambiental de todas as suas porcarias baratas não se compara ao do jato particular que você compraria se fosse um bilionário. Ter muito dinheiro, mesmo se você for uma linda Mãe da Terra como Gisele Bündchen, causa desperdício de consumo.

Alguns – incluindo os pesquisadores de Sussex, por mais úteis que sejam suas descobertas – apresentam isso como um problema de comunicação: os ricos precisam ser instruídos a tomar uma atitude, assumir responsabilidades e levar uma vida mais verde. Se você faz parte do 1% global e está lendo isso agora, sim, faça isso! Mas o planeta não será salvo por esse tipo de súplica e voluntarismo. A solução mais simples e melhor é privar os ricos dos meios de poluição, tirando seu dinheiro. Para salvar o futuro, devemos tributar, expropriar ou abolir os ricos.