Parar de tagarelar nas redes é o novo símbolo de status — e um velho sinal de sabedoria

Atualizado em 19 de janeiro de 2016 às 10:43

internet idiot

Por Gaby Hinsliff. Publicado no Guardian.

 

Foi uma morte tão intensamente privada quanto público foi seu luto. David Bowie, cremado na semana passada em Nova York, sem espalhafato ou fanfarra, após uma doença que conseguiu esconder do mundo, disse não ao circo de olhares sinistros e agourentos de paparazzi perseguindo o choro de rostos famosos sobre sepulturas. Bowie virou as costas para tudo isso anos atrás, optando por expor minimamente sua vida – com exceção de sua música, disponível para consumo.

Simplesmente parar de falar: talvez essa tenha sido a única coisa realmente radical que restou para se fazer em uma era por demais saturada de informação. Fugir do centro das atenções parece ser o que todos estão compulsivamente buscando: desaparecer, desengajar. Não há maior símbolo de status hoje que não ter símbolo de status algum –pelo menos no sentido Facebook do “olhe pra mim”.

“Durante o Natal, em uma área sem conexão para celular e apenas um instável sinal de banda larga, finalmente consegui terminar a adiada leitura dos livros que vinham se acumulando ao longo do ano sobre meu bagunçado criado-mudo”, conta Jonathan Franzen, autor do livro Purity, cuja heroína é criada sem as facilidades da vida moderna, em uma cabana nas montanhas e com uma mãe estilo hippie que aparentemente busca uma existência simples e imaculada.

Mas a vida ali acaba sendo tudo, menos leve e pura, já que praticamente todos os personagens tentam manter um catastrófico segredo. Mas apesar do livro já estar nas prateleiras há alguns meses, seu tema é estranhamente visionário.

Sem revelar nada, não é talvez por acaso que Franzen coloca sua cabana perto da cidade de São Francisco (EUA), um dos lugares mais conectados e tecnologicamente avançados do planeta, mas sujeito ao ocasional ardente desejo por uma vida mais pura e simples. Steve Hilton, tech guru e ex-diretor de estratégia do Primeiro Ministro da Grã Bretanha, David Cameron, explicou ao jornal The Guardian esta semana por que não usou celular por três anos. Apesar de dirigir uma startup do Vale do Silício e ser casado com Rachel Whetstone, vice-presidente de comunicações e políticas públicas da Uber, Hilton ainda fala por que não quer voltar a algo que associa com “estresse, tensão e ansiedade”.

Em seu livro, Mais Humano (More Human), Hilton também admite que não deixa seus filhos possuírem celulares ou tablets – eles usam computadores só na escola. Aconselha, ainda, a proibição de dispositivos que habilitam filmes na internet para menores de 16 anos, para protegê-los da pornografia.

Eddie Redmayne, Oscar em 2015 de melhor ator por A Teoria de Tudo, também admitiu que durante boa parte do ano passado recorreu à velha escola do “telefone mudo”, que só recebe e faz chamadas ou textos e, assim, largar o vício de ficar obsessivamente checando emails.

Depois da onda do decluttering (se livrar de tudo que é desnecessário), do Janeiro Sem Álcool e do eating clean (uma forma de revigorar hábitos alimentares, dando mais peso à ingestão de grupos de alimentos mais saudáveis), o próximo movimento purgativo parece ser o detox Wi-Fi, que funcionará como uma lavagem intestinal para a mente, expulsando toda a sujeira desnecessária. E talvez seja por isso que o ato de carregar algo que tenha toda a funcionalidade de uma casa de tijolos dos anos 90 começou a ser visto muito positivamente em alguns círculos.

Qual é a melhor prova de que você é simplesmente muito descolado e criativo para estar conectado todo o tempo; de que você precisa estar livre para “pensar grandes pensamentos”?

Assim como uma dieta sugere que, para começo de conversa, você está comendo demais, e se desapegar das coisas desnecessárias é para quem as adquiriu inutilmente e além da conta, entrar em abstinência da conectividade é realmente apenas para privilegiados e populares, que tenham se excedido além da conta.

Para não dizer que, talvez, seja muito mais fácil para alguém com secretárias e lacaios, dispostos a lidar com todos aqueles emails tóxicos no seu lugar. Como a Rainha que se recusa a carregar dinheiro, se desplugar pode ser, em certos círculos, um sinal que você, francamente, tem pessoas para lidar com tudo isso.

Aderir à desconectividade tem tudo a ver com a ideia de que a demanda por sua pessoa é tão ardente que você precisa se afastar da loucura. Mas também que você pode se dar ao luxo de fazê-lo. E mesmo que você tenha que jogar duro para conseguir, mesmo assim as pessoas virão correndo atrás de você. Caso Redmayne fosse ainda um desconhecido ator desempregado, desesperado por qualquer fungadela de contratação, e não um ganhador do Oscar, teria, sem dúvida, despendido o ano passado checando freneticamente seus emails.

Por que meros mortais não podem se desconectar? Claro que parte é por conta de um hábito viciante, por causa de empresas ansiosas e para aliviar o tédio. Mas milhões checam seus emails compulsivamente porque talvez haja ali uma proposta de trabalho – e é isso que a oportunidade espera que você faça.

Não são mais apenas os freelances nervosos e empreendedores individuais que se preocupam se um dia ousarão tirar férias ou perder uma chamada: do contrário, o trabalho irá para outra pessoa. Checar mensagens e atender ligações fora do horário do trabalho tornou-se rotina para muitas vidas de escritório.

Dois terços das pessoas pesquisadas recentemente pelo Centro do Trabalho Futuro (Future Work Centre) mantinham ativas 24 horas as notificações em seus celulares – que te avisam quando há uma nova mensagem. Um toque de recolher da tecnologia seria muito mais saudável para o bem de todos nós. Mas cada vez mais são apenas os imprudentes e os extremamente confiantes que se sentem capazes de desligar-se.

Antes de mais nada, não ser fácil de contatar está, muitas vezes, intimamente relacionado com não ser dócil.  Nos tempos dos pagers (lembra dos pagers?), que eram orgulhosamente carregados pelos membros do Parlamento em Westminster, Ken Clarke era o único político proeminente da Inglaterra que conheci que consistentemente se recusou a usar um celular.

Seu raciocínio parecia ser: se tivesse um telefone móvel, algum tipo indesejável iria ligar para ele. Clarke preferia assistir ao noticiário e decidir quando teria algo a dizer. Logo cedo Kate Moss percebeu, em sua carreira de modelo, o poder de não dar entrevistas. Silenciar era mais “classudo”.

Mas poder não é, necessariamente, o único pré-requisito para se desconectar, fechando-se e movendo-se no caminho de uma existência mais simples e limpa. O outro, penso, é felicidade – ou, pelo menos, estar suficientemente confortável em sua própria pele para não precisar da constante validação de outras pessoas. O quão criativamente realizado e o quão pessoalmente feliz você tem que estar para se deixar perder de vista tão quietamente como o fez Bowie, negando a si mesmo uma última abertura de cortinas para dizer ao mundo que estava morrendo?

Desconectar-se é estritamente para os bravos, não para os necessitados, os inseguros ou qualquer um cuja vida talvez seja preocupantemente vazia quando reduzida ao seu desnudado essencial. E é por isso que a maioria de nós considera uma dieta radical da tecnologia assustadoramente difícil de seguir – porque uma vida mais simples continua sendo uma fantasia. Esconder-se do mundo é muito mais prazeroso quando você sabe que ele virá te procurar.