O adeus ao maior brasileiro de todos os tempos deu novos contornos a um fenômeno bastante prevalente no seio do bolsonarismo: o patriotismo hipócrita.
A manifestação da vez eclodiu no futebol, o terreno fértil para a proliferação de cidadãos de bem cuja demonstração de amor à pátria se limita, pelo visto, à devoção de um fascista e todo seu fundamentalismo.
O patriotismo de araque – e desrespeito à memória do Brasil – escorreu do completo desprezo de campeões do tetra, do penta e da Seleção atual ao velório do tricampeão e principal jogador de futebol do Brasil e do mundo.
Sim, Pelé.
Quase nenhum desses jogadores do esporte reinventado pelo Rei teve a dignidade de se abalar até a Vila Belmiro para se despedir do atleta e se irmanar à comoção nacional pela perda do maior ídolo do país.
Era um gesto obrigatório a quem vestiu a camisa da Seleção para demarcar o valor histórico, esportivo e afetivo de Pelé e atestar a relevância incontornável para as glórias obtidas por todos em campo e junto à torcida.
Neymar, o atual camisa 10 do Brasil e ex-santista, preferiu ficar em Paris a tomar uma das aeronaves próprias e dar adeus ao principal nome do Santos.
Fãs e internautas fizeram circular uma proibição do PSG à saída do jogador para o velório – rapidamente desmentida pela mídia francesa.
Nem precisava. Neymar soube se impor quando quebrou regras da Seleção às vésperas da Copa para expressar apoio ao fascista Bolsonaro, cujo patriotismo levou à derrocada econômica do Brasil e a 700 mil mortos.
No auge da pandemia em 2020, frise-se, Neymar chegou a articular jatinhos para levar amigos a uma festa só cancelada após críticas unânimes pela irresponsabilidade sanitária.
O desprezo por Pelé também imperou entre o grupo de patriotas da bola mais afeitos ao camarote da Fifa na Copa e menos à torcida brasileira no Catar.
Ronaldo, Roberto Carlos, Rivaldo e Kaká deram as costas à despedida do Rei em um ato óbvio de indiferença à memória e ao ídolo maior do esporte.
É um contraste absoluto com o falso patriotismo arrotado por Kaká no torneio ao criticar o brasileiro por “não respeitar os ídolos do futebol”.
A hipocrisia é, não por acaso, traço preponderante do bolsonarismo, a degeneração política endeusada por boa parte desses jogadores indiferentes ao Rei.
E cujo expoente supremo – é claro – cometeu crimes contra o país, ignorou a morte de Pelé e fugiu covardemente para o exterior com medo de ser preso.
Bolsonaro silenciou enquanto Lula, execrado por certa escória da bola, viajou a Santos, consolou parentes e se uniu ao povo no adeus ao Rei.
No mundo da vida e da bola, nada como um lance da realidade para desmascarar a hipocrisia da vez.