Paula Lavigne e a lei das biografias

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:03
Ela
Ela

 

Paula Lavigne não canta e nunca tocou nenhum instrumento, mas tornou-se a personalidade mais comentada da MPB. Ela está no coração da polêmica em torno da lei das biografias. Empresária de Caetano Veloso, seu ex-marido e pai dos dois filhos, criou um “movimento” batizado “Procure Saber” — que advoga, em suas palavras, “apresentar uma alternativa que atenda aos escritores mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheia sem a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do biografado sejam violados”.

Paula quer “acomodar interesses comerciais de todas as partes — escritores, editoras, biografados e seus herdeiros —, cuidando de preservar a intimidade e a vida privada do biografado”.

Numa entrevista à Folha de S.Paulo, afirmou que o grupo — que inclui, além de Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Djavan –, “é contra a comercialização de uma biografia não autorizada”. Paula e seu pessoal foram acusados por diversos escritores e jornalistas (eu, inclusive) de querer praticar censura prévia.

A coisa culminou numa troca de palavras duras com a colunista Mônica Bergamo, da Folha, no Twitter. Paula reclamava que a reportagem fora manipulada. Mônica negou e afirmou que Paula quis ler a matéria antes de ela sair. A certa altura, depois de Mônica lembrar que Lavigne havia retuitado um post do perfil “Globo Mente”, Paula perdeu as estribeiras e mandou bala: “Deixe de ser chata e recalcada. Eu nem vi de quem era o perfil! Você não tem mais o que fazer, não? Mulher encalhada é foda!” O tuíte do Globo Mente foi apagado logo depois.

Muito da revolta generalizada à iniciativa do “Procure Saber” se deve à maneira como Paula lida com isso publicamente. Há uma discussão rica, aí, sobre direitos autorais, invasão de privacidade, censura, as indenizações baratas que se pagam por crimes de calúnia e ataques à honra etc. Mas Lavigne, ao que parece, não é a pessoa mais indicada para tocar o debate.

Ela é uma empresária de sucesso. Paula Lavigne é uma espécie herdeira brasileira do estilo Allen Klein de agenciamento de artistas. Klein foi empresário dos Stones e dos Beatles. De origem pobre, judeu de Newark, era um negociador implacável. Grosseiro, falastrão, inventou a figura do “business manager”, o homem que tratava com as gravadoras em nome de seus agenciados. Mick Jagger o indicou a John Lennon em 69, quando os Beatles perdiam dinheiro com a Apple. Num encontro, Lennon se impressionou com o conhecimento que Klein tinha de sua obra e com sua “sabedoria das ruas”, uma alusão à quantidade de palavrões do interlocutor.

Um crítico inglês disse que Klein detinha “um recorde qualquer de linguagem impublicável”. Klein renegociou o contrato com a EMI e saneou as contas da Apple. Tudo com seu jeitinho de estivador. “Não me fale de ética”, disse numa entrevista à Playboy. “Todo homem faz a sua própria. É como na guerra. Eu sou o maior fodão do vale”. A relação com Beatles e Stones acabou num vale de lágrimas e processos, mas isso é outra história.

Eles
Eles

Paula é filha de um advogado criminalista famoso, Arthur Lavigne. Tem uma produtora de audiovisual, ex-Natasha, hoje Uns, que faz DVDs. Lançou o DVD “Músicas para Churrasco”, de Seu Jorge, e cuida dos shows de Criolo e Emicida. É dona também de uma editora musical. Não mede esforços para proteger os interesses sua clientela — o que é, afinal, sua função. Num depoimento à revista TPM, há alguns anos, explicou sua visão de negócio e de mundo. Alguns trechos:

“Os artistas não tinham a menor noção de quanto eles geravam. Todo mundo fala: ‘Ah… A Paula fez o Caetano’. Eu não fiz o Caetano. O Caetano já era o Caetano. A única coisa que eu fiz foi desobstruir as vias e fazer o dinheiro chegar até ele.”

Mais: “Hoje a gente tem quem cuide só da carreira internacional dele, na verdade é um império. E é justo que seja. Ele é um artista importante. Hoje o Caetano tem um patrimônio mais de dez vezes maior do que tinha. Vivemos bem. Somos ricos. Temos um apartamento maravilhoso na Vieira Souto, uma casa maravilhosa na Bahia e um apartamento incrível em Nova York. Minha ambição agora é manter isso que a gente já conseguiu”.

Continua: “E acho que mereço ser rica. O que a pessoa deve fazer com dinheiro eu faço. Não vem com essa de que dinheiro é ruim! É como tudo, se você tem muito, dá trabalho para lidar. Emprego pessoas, faço o dinheiro girar. Tenho uma relação saudável com o dinheiro. Acho dinheiro bom. É difícil lidar porque tem gente que não tem nenhum. Agora, para viver, precisa ter dinheiro”.

Essa força da natureza é naturalmente atraente para outros artistas. Se ela construiu um império para Caetano, pode ajudar Djavan a ter um imperiozinho azulzinho, decerto. E, como era de se esperar, ela causa repulsa, também. Numa carta aberta sobre um encontro em Brasília sobre o ECAD, por exemplo, o velho parceiro de Milton Nascimento, Fernando Brant, se refere a ela como “dona do pedaço”, entre outros epítetos.

O debate em torno da lei das biografias pode ser muito rico. Mas o estilo trator de Paula não ajuda a causa. Com a montanha de dinheiro que diz que faturou e faz outros faturarem, uma medida inteligente que ela poderia tomar era contratar um porta-voz. Tem espaço no orçamento. Não é possível que não tenha. Allen Klein, que Deus o tenha, lhe recitaria seu mantra: “Eu posso encontrar os dólares que você nunca achou que tivesse”.