Na quinta-feira (18), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que investidores árabes vão “comprar” dois times de futebol no Brasil.
“Eles anunciaram: ‘Calma, nós vamos comprar dois times; estamos examinando e vamos comprar dois times’. Eles vêm aí com os investimentos. Isso ontem e anteontem na viagem”, comentou o economista durante evento em Brasília. Ele não disse quais são os clubes.
“[Os árabes] Vão investir em estradas, vão investir em poços de petróleo, até em clubes de futebol. Então, vários brasileiros da comitiva começaram a pensar. Eu pensei: ‘Vem ser sócio do Flamengo’. (…) Tinha um outro palmeirense que falou para comprar o Palmeiras”, completou.
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Uma reportagem da revista britânica The Week, publicada em outubro deste ano, fala sobre a compra de times de futebol por investidores árabes, algo que tem acontecido com frequência nos últimos anos.
A prática chamada de ‘sporstwashing’, ou lavagem esportiva, consiste no uso do esporte como ferramente política por um indivíduo, grupo, corporação ou governo para melhorar sua reputação. Geralmente ocorre por meio da compra ou patrocínio de equipes esportivas ou pela hospedagem de um evento esportivo.
O dicionário Macmillan define lavagem esportiva como “quando um regime corrupto ou tirânico usa o esporte para melhorar sua imagem”.
Na Inglaterra, o time do Newcastle foi comprado por um bilionário Fundo de Investimento da Arábia Saudita. A oferta de 305 milhões de euros foi aprovada pela Premier League (liga inglesa de futebol), mas a conclusão do negócio gerou críticas generalizadas devido ao histórico de violação dos direitos humanos do país do Oriente Médio.
De acordo com a The Week, o líder da ONG Anistia Internacional, Sacha Deshmukh, quer uma reunião com a Premier League para discutir as mudanças que a aquisição provocará aos seus proprietários e diretores.
“A maneira como a Premier League aprovou este acordo levanta uma série de questões profundamente preocupantes sobre lavagem esportiva, sobre direitos humanos e sobre a integridade do futebol inglês”, diz Deshmukh.
“O futebol é um esporte global em um cenário global – ele precisa atualizar urgentemente suas regras de propriedade para evitar que os envolvidos em graves violações dos direitos humanos comprem a paixão e o glamour do futebol inglês.”
Segundo o correspondente do jornal The Guardian no Oriente Médio, Martin Chulov, a associação da Arábia Saudita com o esporte se tornou uma “parte importante dos esforços do país para reformular sua imagem”.
Para ele, a aquisição do Newcastle é o “movimento mais ousado até agora, colocando o país firmemente no palco do esporte mundial e diretamente na mira de seus críticos”.
Nos últimos anos, a Arábia Saudita emergiu muito além de seus vizinhos do Oriente Médio na tentativa de “pintar um quadro favorável ao país enquanto persegue aqueles que o enfrentam”, segundo o jornal Firstpost. E não é um conceito novo. A Copa do Mundo de 1934 na Itália e as Olimpíadas de 1936 em Berlim foram ferramentas para divulgar a propaganda de Benito Mussolini e Adolf Hitler, respectivamente.
O país árabe passou de sediar lutas de boxe, corrida de cavalos e luta livre para comprar um time de futebol e também sediar um Grande Prêmio de Fórmula-1 em dezembro. Esse “programa de lavagem esportiva” tem um custo enorme, de acordo com a organização de direitos humanos Grant Liberty.
Em um relatório publicado em março, estimou-se que a Arábia Saudita gastou pelo menos US$ 1,5 bilhão em eventos esportivos internacionais de alto nível.
O Newcastle está longe de ser o único clube com um dono problemático. O Manchester City foi propriedade primeiro de Thaksin Shinawatra, um controverso político tailandês posteriormente condenado por corrupção, e depois de Sheikh Mansour, que segundo o The Sunday Times é um “figurão totalitário de outra satrapia do deserto”, Abu Dhabi.
Segundo o The Week, o jogo é baseado em dinheiro sujo. O Newcastle está “apenas seguindo o caminho trilhado pelo governo do Reino Unido e pelos conselheiros municipais”, disse o Finantial Times.
“Por que os regimes autoritários gostam tanto dos clubes de futebol ingleses?”, questionou o The Economist na época em que o time foi comprado. Um dos motivos é a implantação de um soft power. A escritora Catherine Belton afirma, em seu livro “Putin’s People”, que o presidente da Rússia convenceu Roman Abramovich, um oligarca que havia enriquecido com seu patrocínio, a comprar o Chelsea, time de futebol de Londres.
Belton afirma que o Kremlin decidiu que a maneira de ganhar aceitação na sociedade britânica era por meio do maior amor do país: o futebol.
Ter um clube europeu de destaque também dá aos regimes totalitários mais influência dentro da FIFA, o órgão regulador do futebol mundial. Isso pode ter se mostrado útil quando a Rússia fez uma oferta bem-sucedida para a Copa do Mundo de 2018. O mesmo vale para o Catar, que em 2011 comprou o Paris Saint Germain, time de maior destaque da França, e que sediará a Copa no ano que vem.
“O futebol nunca foi puro”, disse Jonathan Wilson no The Guardian, defendendo que está na hora de traçar um limite. O jornalista indaga: “Há apenas uma pergunta que os fãs de Newcastle e o futebol em geral precisam fazer: como você se sente em relação à tortura e ao assassinato?”.