Economista, escritor e autor do livro “O Brasil não cabe no quintal de ninguém” (Leya, 2019), Paulo Nogueira Batista Jr. foi diretor-executivo no FMI, em Washington, por indicação do ex-ministro Guido Mantega. Também atuou como vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) estabelecido pelos BRICS.
Batista acredita que José Dirceu acertou ao falar da centro-direita na gestão, diz que o ministério da Fazenda de Haddad trabalha sob pressão.
Apesar das críticas, o economista acredita que Lula chega forte em 2026 com os resultados que está entregando. No entanto, Nogueira Batista acredita que o governo não pode vir com uma “cara de terceira via”.
Veja os principais trechos da entrevista dada ao DCMTV:
Houston, nós temos um problema, não é? Um problema existe na área econômica. Acredito que o governo Lula está conformista demais. O governo podia ser mais arrojado e não precisa ser tão defensivo como tem sido, na minha opinião.
Na minha avaliação, a política econômica está fazendo sucesso na mídia corporativa, na chamada “Patifaria Lima”, como eu costumo dizer. Quando ela desvia milimetricamente disso, lá vem fogo deles.
Na revisão modesta das metas fiscais primárias que o Haddad anunciou com razão, eu não tenho condições de aferir como é que a política econômica está afetando a popularidade de Lula. É verdade que os indicadores são mistos. Tem vários indicadores positivos e outros nem tanto.
A renda melhorou, a taxa de desemprego caiu, o crescimento econômico melhorou um pouco, mas a taxa de investimento agregado, que garante a sustentabilidade do crescimento, caiu.
A indústria que gera empregos de qualidade que gera progresso tecnológico caiu também. Então não é verdade que a economia esteja a mil maravilhas.
A economia está razoável e com indicadores e contraditórios. Eu não usaria a frase “é a economia, estúpido”.
A taxa de desemprego que era muito mais alta caiu para pouco mais de 7%. Aconteceu isso apesar do crescimento baixo.
Onde é que estão as deficiências? Esse crescimento pode ser um voo de galinha, para usar uma expressão antiga.
Se a indústria não se recuperar e se o investimento agregado não se recuperar, aí entram as taxas de juro praticadas pelo Banco Central, que desincentiva o investimento. A empresa pode ter rendimentos financeiros elevados aplicando nos bancos, entende?
Não há motivo para euforia com a economia. Mas vamos reconhecer que Haddad e a sua equipe enfrentam uma situação muito difícil. Enfrentam uma herança muito ruim e uma resistência muito grande da parte da das camadas dirigentes brasileiras de aceitar um mínimo de mudança.
Toda e qualquer mudança que o Haddad tente fazer para melhorar a distribuição de renda vai ser objeto de um ataque barulhento. É o que nós temos visto desde o início do governo Lula. Um ataque barulhento.
Tô me referindo aos ataques da do capital financeiro e da mídia tradicional, que também é puxadinho desse capital financeiro. O governo tem tentado ainda de maneira modesta tributar mais os super ricos.
O Congresso, que é fisiológico, não deixa. A mídia não entende e tenta silenciar. Quem financiou as campanhas desses parlamentares? Foram os grandes capitalistas.
Ninguém gosta de tributo e os super-ricos têm capacidade maior de pagar tributos. No entanto, eles pagam menos no Brasil e em vários outros países é menos.
Esse é um problema estrutural do Brasil. É uma sociedade que permanece até hoje marcada pelo seu passado escravocrata. E os brasileiros ricos acham que podem continuar com uma sociedade que ainda é em grande parte escravocrata.
Eles querem ter serviços baratos, querem poder pagar pouco aos seus funcionários.
Uma crítica ao Lula que eu li é que, em seu governo, nós temos que nos tornar independentes da Bolsa Família. Na minha opinião, o Bolsa Família ou outra política equivalente tem que persistir mesmo que o país se torne mais desenvolvido com a classe média.
Isso porque essas políticas dão piso abaixo do qual ninguém cai e esse piso tem que continuar.
Quando Milton Friedman propôs a primeira versão um pouquinho mais sofisticada do que é hoje a renda mínima, fez isso pensando nos Estados Unidos, um país de alta renda per capita. Isso tem que ser pensado na nossa bolsa.
Temos que defender as medidas que o governo adotou.
“A área econômica do governo é repleta de liberais”
José Dirceu é uma das grandes cabeças políticas do Brasil. Tenho a impressão que, ao dizer que o governo é de centro-direita, Dirceu quis justificar e defender o governo. Mas essa defesa saiu pela culatra.
Porque é claro que o Lula e seus partidários não vão gostar de serem taxados de centro-direita, né? Talvez o mais correto é dizer que, por força das circunstâncias adversas, o governo Lula está cheio de representantes da direita tradicional e da direita fisiológica também.
Nesse sentido, o governo adquire características de centro-direita e o PT e o próprio Lula são pessoas da centro esquerda. Eles não mudaram nesse sentido fundamental.
Na área econômica, que eu conheço, o governo Lula está repleto de neoliberais. E até de representantes da direita fisiológica. Na presidência da Caixa [Econômica Federal], o Banco Central.
Olha o Ministério da Indústria, olha o do Planejamento. O Ministério da Fazenda tem representantes do pensamento neoliberal para o meu modesto gosto. Na minha modesta opinião, a área econômica podia ser um pouco menos centro-direita e um pouco mais centro esquerda.
É justamente nessa área que o poder econômico financeiro quer mais influência. Eles ficam vigiando de perto que um governo que gostaria de ser mais centro esquerda na área econômica, não só no Ministério da Fazenda.
Dá para ter esperança?
Temo que o governo Lula chegue com um cara de terceira via em 2026. A terceira via nunca teve voto no Brasil. Vimos isso em 2006. Vimos de novo em 2018 e mais uma vez em 2022.
A terceira via não tem voto. As “elites” estão tentando insistir na terceira via para 2026, mas não vai dar certo. Vão acabar tendo que apoiar o Lula como pseudo terceira via ou ou como quase terceira via.
Corremos o risco de ter um Lula 4 ainda mais à direita do que esse aí que já está à direita. A minha esperança é que o governo Lula 4 seja mais surpreendente.
Nesse quarto governo será sua última chance. Agora ele está na penúltima. Não quero sobrecarregar o Lula com as nossas esperanças históricas.
Ele fez muita coisa, tentou fazer muita coisa. Mas Lula está emparedado. Essa é a verdade. Emparedado pela direita tradicional, pela mídia, pela direita fisiológica, pelo agro, pelos militares. É um verdadeiro trabalho de Hércules esse que o Lula tem que fazer.
Quando eu faço críticas ao Lula, tento não esquecer que ele tem muita dificuldade pela frente. E que ele é a nossa única esperança.
Uma das nossas grandes fraquezas como país também é depender tanto de uma pessoa. Do Lula ou do Alexandre de Moraes.
Lula já tem 78 anos. Estamos dependendo muito de uma pessoa que já está velha.
Veja a entrevista completa.
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