As requisições para atividades de lavra garimpeira no Amazonas dispararam 342% em 2020 na comparação com a média dos 10 anos anteriores.
Os quase 3 mil processos ativos atingem 120,8 mil quilômetros quadrados, o equivalente a 8% do território amazonense ou a quase 10 vezes a cidade de São Paulo.
A conclusão é de um estudo realizado pela Operação Amazônia Nativa (Opan) em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) publicado na última semana.
Lobby pró-garimpo no Amazonas
Os dados demonstram que o lobby pró-garimpo do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tem contribuído para acelerar a corrida por minérios, suscitando conflitos fundiários e promovendo a destruição dos modos de vida das populações amazônicas.
O indigenista do Programa Direitos Indígenas da Opan, Renato Rodrigues Rocha aponta:
“Frente a esse contexto político, a ameaça de liberação de todos esses processos minerários pode gerar um impacto imensurável para os povos indígenas, comunidades tradicionais e para toda a sociedade brasileira”.
Os dados públicos que serviram de base para o relatório dizem respeito a processos minerários que tramitam na Agência Nacional de Mineração (ANM) desde as fases iniciais de requerimento para exploração de terra até a concessão de autorizações.
Com demanda crescente no mercado internacional, o mineral mais visado é o ouro, alvo de 33% dos pedidos analisados.
Em segundo lugar vem o potássio, um minério utilizado principalmente na indústria de fertilizantes.
Cadastro fraudulento
Ao analisarem a autoria dos requerimentos de atividades garimpeiras, os pesquisadores confirmaram a existência de uma estratégia para burlar as regras que limitam a exploração de minerais no Amazonas a até 100 quilômetros quadrados para associações de trabalhadores do setor.
Cerca de 90% dos processos de lavra garimpeira foram protocolados por cooperativas, cuja atividade é considerada artesanal e de baixo impacto ambiental.
Mas as entidades têm usado a permissividade da legislação para, na prática, implementar projetos de escala industrial.
O indigenista da Opan explica:
“Essas cooperativas têm criado vários requerimentos contíguos ou muito próximos.
Isso tem se mostrado um subterfúgio para conseguir protocolar processos que, quando somados, ultrapassam muito a área máxima permitida.”
Ele complementa:
“Há uma concentração muito grande de requerimentos em poucos titulares. Só a cooperativa do Vale do Guaporé, por exemplo, tem requerimentos que somados atingem quase 2,9 mil quilômetros quadrados em uma única sub-bacia.
Cerca de 90% da área requerida para exploração de ouro é de apenas 10 cooperativas.”
Garimpeiros miram áreas protegidas
Mais de 150 processos minerários sobrepõem-se a cerca de 6 mil quilômetros quadrados de áreas protegidas do Amazonas, onde a exploração mineral é expressamente proibida ou bastante restrita.
Os principais alvos são florestas nacionais e estaduais, áreas de proteção ambiental e reservas de desenvolvimento sustentável, que somam 5,8 mil quilômetros quadrados pleiteados para a atividade.
Nesses territórios, a lavra garimpeira não é expressamente proibida pela legislação, mas está autorizada em situações excepcionais, desde que previstas no plano de manejo e que os impactos não desvirtuem os objetivos da unidade.
Além disso, o setor quer explorar 16 quilômetros quadrados em terras indígenas, 110 quilômetros quadrados sobrepostos a unidades de conservação de proteção integral e outros 138 quilômetros quadrados em sobreposição a reservas extrativistas, áreas onde o garimpo não é permitido sob qualquer hipótese.
“Já houve duas decisões judiciais a partir de ações movidas pelo Ministério Público Federal do Amazonas, indicando a anulação de processos em terras indígenas e de pedidos sobrepostos a unidades de conservação e proteção integral. Ainda assim, encontramos essas sobreposições”, ressalta o integrante da Opan.
Quando não estão dentro de áreas protegidas, as terras desejadas pelos garimpeiros ficam no entorno imediato desses territórios. Segundo o relatório, 100 processos miram explorar minérios a menos de 10 quilômetros de 37 terras indígenas do Amazonas.
Violação do direito à consulta
A natureza predatória do garimpo pode trazer consequências nefastas para a população da floresta. Um exemplo é a região do Palimiu, na Terra Indígena Yanomami em Roraima, cujos habitantes foram aterrorizados por garimpeiros armados entre maio e junho deste ano.
O Brasil de Fato já publicou relatos de indígenas que narram histórias de ameaças, sequestros e estupros, além da proliferação do alcoolismo e do consumo de drogas. Sem contar a intoxicação por mercúrio, um problema em expansão no extremo norte do Brasil.
Um mecanismo que poderia evitar novas tragédias socioambientais como as provocadas pelo garimpo é a consulta prévia, livre e informada à qual as comunidades tradicionais têm direito, quando são impactadas por grandes empreendimentos econômicos.
Embora esteja prevista na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e tenha sido transformada em lei no Brasil, o direito continua a ser sistematicamente violado, inclusive pelo próprio governo federal.
Rocha destaca:
“Esses processos minerários, como são medidas administrativas do governo brasileiro, deveriam ser submetidos à consulta das comunidades, mas não são.
Eles tramitam na ANM sem que essas comunidades fiquem sequer sabendo da existência deles.”
Outro lado
A reportagem procurou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao ministério do Meio Ambiente responsável pela fiscalização das unidades de conservação federais, para o que está sendo feito para conter o avanço do garimpo ilegal.
Os questionamentos, no entanto, não foram respondidos.
Edição: Leandro Melito
Publicado originalmente no Brasil de Fato
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