Pescador relata ‘desespero’ com chegada do óleo na região de Abrolhos

Atualizado em 30 de outubro de 2019 às 15:54

Publicado na Rede Brasil Atual

Sem comando do governo federal, pescadores e voluntários se destacam nas ações de contenção ao vazamento
FERNANDO VIVAS/GOVBA

O coordenador de relações institucionais da Comissão Nacional pelo Fortalecimento da Reservas Costeiras Marinhas (Confrem), Carlos Alberto Pinto dos Santos, que é pescador artesanal na reserva extrativista de Canavieiras, no Sul da Bahia, que fica nos arredores do Arquipélago de Abrolhos, diz que o derramamento de petróleo que atinge as praias do Nordeste desde 30 de agosto já chegou à região. Ele classificou como “racismo ambiental” contra as comunidades pesqueiras, por conta do descaso do governo federal para comandar os esforços de contenção do vazamento. Ele destacou que são os pescadores e voluntários que estão na linha de frente do combate ao desastre.

Ele diz que o petróleo chegou na região na última segunda-feira (28), quando pescadores retiraram cerca de 40 quilos de óleo do mar. “O clima de desespero e calamidade se aprofunda a cada dia que passa. Não estamos conseguindo vender nossos pescados”, afirmou ele em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (30).

Pescadores estão com peixes, camarões e mariscos estocados e não encontram compradores, pois os potenciais consumidores temem a contaminação. O setor do turismo, que absorve a maior parte do pescado da região, também sente os impactos do desastre.

“O óleo está entrando, chegando nas praias e nos nossos manguezais. Abrolhos não é só uma ilha no meio do mar. É um complexo que envolve a biodiversidade marinha e pessoas que dão suas vidas para defender a região. Não conseguimos dissociar a natureza das nossas vidas. Somos parte da natureza. Sem elas, não temos como existir. Não existe pescador sem peixe, marisqueira sem marisco. E nós não existimos sem o mar, sem os manguezais, sem os rios”, afirmou Carlos Alberto.

Ele diz que o apoio principal tem vindo de ONGs e universidades, e até mesmo de empresas privadas, que têm fornecido equipamentos de proteção individual aos voluntários. “O que mais sentimos hoje é uma completa ausência de informações por parte do estado brasileiro de onde está vindo esse óleo, a quantidade e as providências que estão sendo tomadas. É inadmissível que estejamos expostos a uma situação como essa. Se estamos numa situação de calamidade pública, o Estado tem que lançar mão de todas as estruturas para conter esse óleo”.

Desmonte

A professora sênior do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) Yara Schaeffer Novelli disse que o fenômeno não é nem inédito e nem complexo, mas o governo federal não vem adotando as medidas necessárias porque promoveu o desmanche das estruturas do Ministério do Meio Ambiente, como comitês e órgãos colegiados, que desencadeariam ações em situações como essa. Ela afirma que o governo não acionou o Plano Nacional de Contingência, e optou por delegar as prerrogativas ambientais à Marinha, que coordena os parcos esforços de combate ao vazamento, que tem se resumido à coleta do petróleo que chega às praias do litoral.

Ela destacou que, desde 1983, quando houve vazamento de um oleoduto no Canal de Bertioga, no litoral norte de São Paulo, inúmeras lições foram aprendidas no combate a tragédias como essa, mas essa “memória técnica” vem sendo ignorada pelas autoridades federais. Novelli também destacou que o óleo encontrado nas praias está “há muito tempo” exposto às condições naturais, o que faz com que o óleo sofra transformações físicas e químicas.

Ibama

O diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Alves Borges, alegou que o governo vem trabalhando muito desde o início do vazamento. Ele insistiu na tese de que as manchas de óleo que navegam pelo oceano são impossíveis de rastrear por meio de satélites e sobrevoos, pois estariam se deslocando abaixo da superfície marinha. Ele diz que todos os protocolos mundiais para combate a ações desse tipo preveem o vazamento superficial. “Não há a possibilidade de identificar as manchas que chegam à costa. O óleo está submerso.”

Só encontramos quando chega à arrebentação, quando já está na praia.” Depois das autoridades federais reafirmarem que o óleo vazado teria “DNA” venezuelano, Borges afirmou hoje que não se pode descartar que o petróleo seja oriundo do pré-sal brasileiro. “A Petrobras diz que há muito o que se analisar ainda em relação ao petróleo do pré-sal. A gente não pode descartar isso.”