Publicado originalmente na Rede Brasil Atual:
POR RAFAELLA DOTTA
Um grupo de pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) apresentou nesta sexta (6) um estudo feito no solo, água e leite de vaca nas cidades atingidas pela lama do rompimento da barragem de Fundão, em 2015, da mineradora Samarco, Vale e BHP Billiton. O estudo, assim como uma dezena de levantamentos anteriores, mostra resultados extremamente preocupantes, que se juntam a uma realidade de doenças que já estão acontecendo na bacia.
O resultado do Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para a Sustentabilidade (LEA-AUEPAS) mostra níveis acima do permitido de chumbo no leite de vaca; arsênio, cromo e mercúrio no solo; e arsênio, chumbo, ferro, manganês, mercúrio e níquel na água. O caso mais discrepante é o arsênio, que está 32 mil vezes de vezes mais alto na água e dezessete vezes mais alto no solo.
O estudo é um complemento de outro levantamento, feito pela Ambios Engenharia e Processos ao longo de 2018 em oito distritos pertencentes a Mariana. A Ambios analisou solo, água e leite de vaca, mas também sedimentos e poeira domiciliar. As cidades foram classificadas como “Local de Perigo Categoria A: Perigo urgente para a Saúde Pública”. Isso significa, de acordo com o relatório, “que existe um perigo para a saúde das populações expostas aos contaminantes definidos através da ingestão, inalação ou absorção dérmica das partículas de solo superficial e/ou da poeira domiciliar contaminadas”.
Os estudos foram entregues hoje (6) ao relator especial sobre substâncias e resíduos perigosos (tóxicos) do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Baskut Tuncak, que esteve em Belo Horizonte.
Contaminação comprovada, mas nenhuma atitude
Os estudos feitos até agora desmentem a afirmação das mineradoras de que a lama do rompimento era “inerte”, ou seja, não era contaminante. Simone Aparecida, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e mãe da pequena Sofya, diz que o resultado dos estudos é triste, mas também uma “vitória” contra as negações da Fundação Renova. “Foram quatro anos de muita luta. Sofia hoje está com uma inflamação seríssima no cérebro, e eu durmo do lado dela sem saber se ela vai acordar. Corro risco de perder ela a qualquer momento, porque não foi feito nada. Foi negado e continua sendo negada a saúde aos atingidos”, diz Simone.
O procurador do Ministério Público Federal Helder Magno da Silva analisa que a Fundação Renova tem criado empecilhos à reparação quanto à saúde dos atingidos. Por exemplo, a Fundação e o governo de Minas teriam “escondido” o resultado da pesquisa da Ambios por seis meses e, quando foi enfim apresentada à população, a Fundação não teria comparecido, por não reconhecer o material.
Além disso, o procurador critica que a Fundação Renova esteja querendo, por meio da Justiça, interromper os pedidos de cadastros de atingidos. Para o procurador, isso seria um contrassenso, pois as pesquisas e exames de saúde estão avançando no sentido de comprovar a relação entre o rompimento e as doenças que estão aparecendo nos atingidos. Tanto finalizar o cadastro quanto a exigência da comprovação são, para o procurador, uma forma de diminuir a reparação à saúde da população atingida.
“As empresas o tempo todo exigem o nexo causal [da doença], que a gente sabe da dificuldade de se comprovar. O que ocorreu nas regiões, além do desastre, pra que a gente pudesse ter esse adoecimento das pessoas?”, questiona Helder.
Adenovírus
Comprovadas as contaminações, os estudos dão agora um novo passo e começam a identificar as consequências que essa contaminação pode gerar. Dulce Maria Pereira, professora da UFOP responsável pela pesquisa sobre contaminação “Diagnóstico Socioambiental de Mariana”, comenta sobre um tipo de vírus que pode estar se desenvolvendo entre os ambientes e pessoas em contato com a lama da Samarco, ele se chama “adenovírus”.
Segundo a pesquisadora, o vírus pode trazer problemas nas mucosas, conjuntivite, no estômago, esôfago e intestino. “É um vírus bastante ativo no organismo”, comenta. “Não há um trabalho clínico e médico pra dizer se parte dessas doenças apresentadas são parte desse adenovírus, e essa é uma grande preocupação. O adenovírus não está sendo considerado no sistema de saúde, e precisa ser, porque a gente tem a impressão, pela literatura médica e científica, que muitos dos sintomas apresentados podem ser em decorrência dele”, diz.