O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes destaca uma série de falhas na investigação conduzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro ao longo de seis anos desde o crime, o que resultou na ausência da identificação dos mandantes, conforme informações da Folha de S.Paulo.
A atuação da Polícia Civil é central na tese dos investigadores federais. Segundo eles, o então chefe da corporação fluminense, Rivaldo Barbosa, foi um dos arquitetos do crime ao assegurar previamente que a investigação não chegaria aos verdadeiros mandantes.
Além disso, a equipe da Polícia Civil designada para o caso não apenas deixou de realizar diligências eficazes para a investigação, mas também contribuiu para sabotar o trabalho de apuração. O delegado Giniton Lages, indicado por Rivaldo, liderou a investigação no Rio.
Segundo a PF, Lessa afirmou em sua delação que os mandantes são os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além de Rivaldo. Os três foram presos recentemente. Lessa afirmou que os mandantes mencionaram que Rivaldo prometeu desviar a investigação após o caso ganhar grande repercussão na mídia.
Nesse contexto, a PF menciona o surgimento de uma denúncia anônima e a mudança da investigação de Lages para Lessa, sem, no entanto, identificar os mandantes, apenas citando o então vereador Marcelo Siciliano.
Para atender a esses interesses, a PF argumenta que a Polícia Civil do Rio perdeu oportunidades cruciais de reunir provas logo após o crime.
Entre as falhas apontadas estão a falta de captação e análise de imagens de câmeras nos locais por onde passou o veículo do crime, o uso de denúncias duvidosas, erros alegados incompatíveis com a realidade, orientação questionável de testemunhas, criação de narrativas falsas, desaparecimento de materiais importantes e ocultação de informações relevantes.
A PF destaca também que a falta de captação e tratamento adequado das imagens de câmeras de segurança impossibilitou a rápida identificação da rota de fuga dos assassinos. Em um dos locais, a Polícia Civil chegou a visualizar as imagens, porém não as coletou nem solicitou o arquivamento.
Além disso, as imagens coletadas no primeiro dia, que mostravam o veículo se dirigindo ao local do crime, só foram incluídas no inquérito após a divulgação de uma denúncia anônima que apontava Lessa como autor, a mando de Siciliano.
O delegado Lages admitiu em seu depoimento que o atraso na obtenção das imagens foi um erro de sua equipe.
A PF relaciona essa suposta falha na coleta e tratamento das imagens das câmeras de segurança à tentativa de corroborar a versão da denúncia anônima que implicava Siciliano como mandante.
Outra diligência importante que não foi realizada, segundo a PF, foi a análise do celular de Eduardo Siqueira, conhecido como Dudu do Clone, apontado em documentos do inquérito da Polícia Civil como responsável pela clonagem da placa do veículo usado no crime.
Entretanto, essa análise não pôde ser feita, pois o celular desapareceu após supostamente ter sido encaminhado para o setor responsável por acessar o conteúdo do aparelho.
“Merece o registro de que foi o próprio delegado Lages quem assinou os dois campos destinados ao encaminhamento do aparelho, um instrumento que permitiria um duplo controle”, diz a PF.
O delegado depôs sobre o assunto e afirmou não ter sido “o responsável pelo registro da prisão em flagrante de Eduardo e, portanto, não ter conhecimento do paradeiro do dispositivo”.
Outra lacuna apontada pelos investigadores é a “falta de informações substanciais sobre a busca e apreensão executada na empresa Martinelli Imóveis”. A diligência no endereço ocorreu após um depoimento obtido pela Polícia Civil indicar que o local era frequentado por Marcelo Siciliano, então considerado suspeito.
A PF revela que o proprietário da empresa estava, na verdade, ligado a Domingos Brazão, com quem até já compartilhou sociedade em um posto de gasolina. Apesar das solicitações, a PF não obteve informações sobre os resultados da busca.
Segundo a PF, essas falhas impediram várias medidas, incluindo os depoimentos de Edmilson Macalé, supostamente presente em reuniões com os mandantes — ele foi morto em novembro de 2021 — e de Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020.
A PF também menciona que a demora nas diligências impossibilitou a localização das munições descartadas por Macalé em um córrego. Quando as autoridades foram ao local, este já havia sido desassoreado.
Além disso, os investigadores não puderam confirmar informações sobre a arma de fogo. Tentaram encontrar evidências no local indicado por Lessa como o local onde testou a arma, mas o terreno havia sido modificado pelos proprietários ao longo do tempo, dificultando a busca pelos projéteis.
Para a PF, a sequência de falhas e a passagem dos anos transformaram o caso Marielle em um “cold case”, ou seja, um caso frio, onde se torna quase impossível produzir provas conclusivas sobre a autoria e motivações do crime.