Plano Silvinei-Torres reforça que Bolsonaro via nordestinos como inimigos. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 10 de agosto de 2023 às 9:52
Silvinei Vasques, Jair Bolsonaro e Anderson Torres. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

A reunião com o então diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, e o então ministro da Justiça, Anderson Torres, que discutiu a implementação de bloqueios em rodovias onde Lula havia ido bem no primeiro turno para atrapalhar seus eleitores no segundo, é desprezo puro pela opinião política dos nordestinos.

Já a possibilidade, que está sendo investigada pela Polícia Federal, de que o Plano Silvinei-Torres tenha tido o aval explícito de Jair Bolsonaro, além de colocar o ex-presidente na antessala da cadeia, reforça que todas as declarações xenófobas e preconceituosas que ele proferiu contra o Nordeste não eram “falha de entendimento” ou “má fé” dos críticos do ex-presidente, mas sinceridade.

“Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste”, disse Bolsonaro, em uma live no dia 5 de outubro, ao analisar os resultados do primeiro turno. Disse que há “falta de cultura”.

Esse tipo de pensamento, que coloca o Nordeste como inimigo, continua encontrando eco no bolsonarismo.

Para se reafirmar como possível candidato da direita radical à eleição presidencial de 2026, posto vago após Bolsonaro ser declarado inelegível pelo TSE, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, apelou ao preconceito regional.

Romeu Zema de roupa social azul, falando, de óculos, com mãos unidas
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema – Reprodução

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele disse que a região era comparável a “vaquinhas que produzem pouco”, mas recebem “tratamento bom”, enquanto o Sul e o Sudeste são as que “produzem muito” e não teriam o mesmo tratamento.

E não é de hoje que cidadãos dessas regiões são chamados de burros e ignorantes simplesmente por terem uma opinião política diferente de moradores de outras regiões, notadamente do Centro-Sul. Já em outubro de 2014, após a vitória de Dilma Rousseff, uma onda de ataques contra nordestinos – que votaram em peso pela reeleição – tomou as redes sociais. Um prenúncio da escalada de ódio que veríamos nos anos seguintes.

Mas Bolsonaro e aliados, incapazes de tentar mudar pontos de vista através de discursos e debates, partiram para impedir que a expressão eleitoral dessas opiniões acontecesse, colocando um contingente nas estradas muito maior do que o padrão adotado no resto do país. Era preciso frear o Nordeste.

Inquérito da Polícia Federal sobre o caso aponta que o setor de inteligência do Ministério da Justiça fez um levantamento dos locais onde o petista foi mais votado para subsidiar bloqueios de estradas no segundo turno. Não só isso, como Torres viajou à Bahia para pedir apoio da superintendência da PF local à ação da PRF.

Agora, descobre-se que Silvinei chamou a cúpula da instituição à chincha, exigindo que mostrassem de que lado estava. Em outras palavras: ao lado da constituição ou de Bolsonaro.

É pouquíssimo provável em um governo extremamente centralizador como o de Bolsonaro que o plano do então ministro da Justiça Anderson Torres e do então diretor-geral da PRF Silvinei Vasques para impedir eleitores de Lula de irem votar no segundo turno não tivesse a anuência do chefe.

Como não conseguiu conquistar a região com propostas, Bolsonaro ao que tudo indica decidiu que o nordestino não era apto a votar. Para tanto, usou a estrutura do Estado a fim de impedir que cidadãos depositassem seu voto. Como já disse aqui, seria digno de pena, se não fosse digno de anos de Código Penal.

O mais irônico é que a realidade das urnas contradisse Bolsonaro. O ex-presidente ganhou 1,3 milhão de votos no Nordeste em comparação à sua votação de 2018 no primeiro turno. Lula, por outro lado, teve uma votação 23 pontos maior que a de Haddad naquele ano no Sudeste e 17 pontos maior que a dele no Sul. Os dados são de apuração de Amanda Rossi e Juliana Caro, no UOL.

Mas o Nordeste, ao final, pode ser sim responsável pela ruína de Jair. Confirmada sua participação na decisão da ação golpista de 30 de outubro, de ignorar a opinião do eleitor da região, ele pode ser condenado a uns anos de xilindró.

Originalmente publicado no Uol

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