PM invade casa e corta mão de jovem em favela, denunciam moradores

Atualizado em 2 de julho de 2020 às 21:55
Marca de sangue na parede que o jovem se apoiou antes de se jogar | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

Publicado originalmente pela Ponte Jornalismo:

Por Arthur Stabile

Um cordão de advogados da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tentava conter um grupo de moradores. Eles tentavam avançar contra um grupo de policiais militares. A revolta é por terem invadido uma casa e cortado a mão de um morador de 18 anos na Favela do Moinho, centro da cidade de São Paulo, nesta quinta-feira (2/7).

Eram por volta de 17h quando os policiais do canil do 5º Batalhão invadiram a casa pelos fundos, como conta a moradora do local, Maria Cristina Goes dos Santos, 55 anos. Um dos seus cinco filhos dormia e foi abordado.

Ela trabalhava no bar que fica embaixo da residência. Em cima, os policiais ameaçavam o jovem. Segundo contam os moradores, eles estariam atrás de drogas, mas não tinha nada com ele.

“O menino estava dentro de casa. Vem aqui e querem matar meu filho sem ter feito nada? Pegaram ele dormindo. Não aceito isso”, lamenta a mãe. “Eu puxei carroça por mais de dez anos, criei meus filhos assim e nunca deixei roubar de ninguém”.

Uma testemunha relatou a ação policial à Ponte. “Colocaram a faca na barriga dele. Como colocou a mão pra tirar, o policial puxou e fez um corte fundo”, conta. Ele viu o momento em que o jovem de 18 anos se jogou do segundo andar da casa depois de ter a mão cortada.

A Ponte esteve na casa cerca de 1 hora depois da ação policial. Ainda havia marcas de sangue pelo local: várias gotas no chão, na cama e marcas nos pedaços de madeira da parede da casa. Duas marcas de mãos foram deixadas no momento em que o rapaz se jogou.

Um dos moradores da comunidade registrou a cena. No entanto, os policiais pegaram seu celular e apagaram parte dos vídeos.

Imagens recebidas pela reportagem mostram o momento em que outros moradores confrontam um policial com o celular na mão. Ele diz que vai entregá-lo ao dono. Porém, já não estava lá o vídeo em que o jovem com a mão machucada aparece.

“Estava aqui. Apagaram justamente o vídeo que mostra ele”, relata a testemunha, em conversa com a Ponte, mostrando os vídeos que fez da ação e do momento em que chegou e viu o amigo no chão.

Por volta de 17h30, os policiais do canil do 5º Batalhão deixaram a favela. A ação causou revolta na população e a reportagem presenciou a tentativa dos advogados da OAB de tentar evitar que algo pior acontecesse.

Os policiais, acuados, se juntaram e saíram com escudos. Passaram pela linha de trem que separa a entrada das casas do Moinho e, ali, jogaram bombas e balas de borracha. Revoltados, os moradores revidaram com pedras. Um trem passava na linha que corta a comunidade.

Os policiais deixaram o local, mas, antes disso, dispararam balas de borracha contra a multidão. Antes de entrar na viatura, um dos PMs se exaltou quando viu que estava sendo filmado pela Ponte. “Mostra que eles estão atacando pedra, mostra!”, disse, tentando direcionar para onde o celular que registrava a cena devia filmar.

Menos de dez minutos depois chegou reforço da PM. Eram cerca de dez viaturas, entre veículos de patrulhamento padrão, do Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da PM.

Os policiais militares dispararam mais tiros de balas de borracha, forçando os moradores a retornarem à Favela do Moinho. Atiravam da avenida Rio Branco, cerca de 100 metros da entrada da favela.

Comandante da ação, o tenente Farina explicou que a intenção era “acalmar os ânimos desse lado”, disse, apontando para os moradores, e também “daqui”, ao se referir aos seus policiais.

Questionado pela Ponte sobre o homem ferido, Farina explicou que a ação anterior não estava sob seu comando e que não tinha nenhuma informação sobre isso.

Em nota, a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da SSP (Secretaria da Segurança Pública), não confirmou que havia moradores feridos. Segundo a pasta, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), somente um policial ficou ferido.

A secretaria sustentou que a ação do 5º Batalhão feita no local era “de rotina” e que os cães farejadores apontaram “presença de droga em uma residência”.

“Neste momento, um homem fugiu da abordagem pelos telhados dos imóveis e algumas pessoas confrontaram os policiais”, afirma a SSP.

Os moradores rebatem. “Falaram que ele trocou tiros. Estava dormindo em casa, como ia pular de telhado por telhado dormindo?”, pergunta uma das testemunhas.