Entre o meio e o fim da década passada, um “rolê” conhecido para todo jovem de periferia de São Paulo nas noites de sábado era ir até a Favela do Paraisópolis e ir ao “Baile da DZ7”, famosa festa semanal nas ruas e vielas da favela, localizada no bairro do Morumbi, Zona Sul da capital paulista.
Animado e então com 16 anos, Denys Henrique Quirino era morador da Brasilândia, Zona Norte da cidade, e saiu para curtir o baile com amigos. Ele trabalhava em uma empresa de móveis para, aos 18 anos, ter uma moto e fazer sua festa de celebração da maioridade. Denys, porém, não voltou para casa.
Denys foi uma das vítimas do “Massacre da DZ7”. Na madrugada de 1º de dezembro de 2019, ele e mais oito jovens entre 14 e 29 anos perderam a vida após uma operação desastrada da Polícia Militar de São Paulo, que tinha como objetivo, segundo a corporação, de acabar com o baile e com o tráfico de drogas no local.
Maria Cristina Quirino é a mãe de Denys. Ela lutou desde então para que o caso fosse investigado com a devida seriedade.
“Nossa expectativa é que o juiz abra os olhos e enxergue que esse caso não pode voltar de jeito nenhum para a Justiça Militar. Esse caso tem que ir para júri, pois os assassinos dos nossos filhos devem ser punidos”, diz a mãe de Denys.
O caso envolvendo as mortes ocorridas em Paraisópolis é apurado em duas esferas criminais: a da Justiça comum e a da Justiça Militar. Na justiça comum, 13 policiais militares são réus no processo. Doze deles são acusados pelo Ministério Público (MP) pelo crime de homicídio com dolo eventual, que é aquele no qual se assume o risco de matar e um por expor pessoas ao perigo por soltar explosivos.
A Corregedoria da PM apurou a conduta dos 31 policiais militares que participaram da ação em Paraisópolis. O órgão concluiu que os agentes não causaram as mortes dos frequentadores.
A versão da polícia diz que tudo começou com a perseguição a dois suspeitos que trafegavam na região sobre uma moto e teriam atirado contra os policiais e teriam buscado refúgio no baile. Os agentes então entraram no local (que estava lotado) e dizem que sofreram ofensas do público. Por conta dessas hostilidades, segundo os policiais, eles reagiram e agiram em legítima defesa, causando o caos e o pisoteamento, que segundo eles, causou a morte dos nove jovens. Depois disso, os PMs ainda alegam que teriam socorrido as vítimas, levando-as a hospitais da região.
“A polícia já fazia ações antes, por conta da morte de um sargento da PM. Essa ação do dia do massacre foi mais uma. A própria PM anunciou para a mídia como Operação Saturação”, diz a mãe do jovem morto na ação, que hoje trabalha junto ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (Caaf). O instituto fez um relatório sobre o massacre que desmente a versão oficial da PM em vários pontos.
Na época, Cristina e os outros familiares já apontavam que os corpos das vítimas não tinham sinais de pisoteamento. Em matéria na época, o portal Ponte Jornalismo conversou com um comerciante, evangélico, que não gostava de funk, que afirmou que não havia visto duas pessoas entrarem com moto dentro da favela. De acordo com ele, a polícia fazia blitz na entrada da favela para controlar o acesso a partir das 19h e que, após 1h da manhã, começaram a entrar na comunidade e invadir o baile. Mas até as 4h, eles estavam apenas rodeando o evento.
Nessa hora, segundo o comerciante, a PM entrou no baile e ele diz ter começado a ouvir tiros de armas de fogo. Ele abrigou uma centena de pessoas em seu estabelecimento na ocasião. Para o comerciante, as mortes foram causadas por policiais e não por pisoteamento.
“Nossos filhos foram assassinados apenas por estarem em um baile funk e agiram sabendo o que estavam fazendo quando mataram nossos filhos. Ninguém encurrala alguém com spray de pimenta, gás lacrimogênio, etc, sem saber as consequências”, diz hoje Maria Cristina, que concorda com a versão de que Denys e as outras vítimas foram mortas por violência policial e não por pisoteamento.
Após quatro anos, finalmente acontecerá na próxima terça-feira (25), no Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da Capital Paulista, a primeira audiência com as testemunhas do caso. Os parentes das vítimas veem esse acontecimento como um primeiro passo para provar que a versão policial no caso é mentirosa: “Nossos filhos foram mortos pela polícia. Não tem justiça mais para o meu filho, ele não volta mais. A justiça que estamos buscando é para os vivos, é para os que estão aqui. Essa justiça para nossos filhos foi violada. Foi negada”, diz Maria Cristina.
Para Maria Cristina, a justiça nesse caso é essencial para, na visão dela, estancar uma parte de uma dor enorme: “A coisa mais dolorosa nisso tudo foi sepultar meu filho. Todo esse processo dói muito, eu não consigo passar um dia sem pensar na injustiça que meu filho sofreu e ele teve seu direito de viver negado. Eu durmo e acordo todo dia com essa realidade dolorosa, ter que lutar por justiça e provar que eles estão escondendo coisas. É uma crueldade tremenda”, conclui a mãe.