Por Leonardo Sakamoto
Após anos tirando selfies com manifestantes em atos que pediam golpe militar, policiais de São Paulo detiveram 13 pessoas durante uma manifestação contra o aumento no preço da passagem de trem e metrô, nesta quarta (10) citando, entre as acusações, a tentativa de “abolição violenta do Estado democrático de Direito”. Isso seria insano, se não fosse perigoso.
Esse foi um dos crimes pelos quais os bolsonaristas que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 estão sendo condenados no Supremo Tribunal Federal. Naquela data, milhares de pessoas invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal na esperança de começarem um golpe de Estado para a deposição de Lula e a recolocação de Bolsonaro no poder.
A acusação pode ser lida como retaliação ou vingança por conta dos presos de extrema direita do 8/1. A polícia de São Paulo está sob o comando tanto do governador Tarcísio de Freitas quanto do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, ambos aliados de Jair Bolsonaro.
A questão é se a acusação foi uma decisão institucional, para agradar o bolsonarismo, ou um ato autônomo por parte dos policiais envolvidos.
Se o segundo caso é um absurdo, o primeiro é perigoso.
“A prisão dos manifestantes por abolição violenta do Estado democrático de direito é um verdadeiro despropósito. Protesto contra aumento de tarifa de ônibus não visa derrubar o regime democrático, mas apenas pressionar o governo a baixar o preço cobrado por um serviço”, a avaliação foi feita à coluna por Pablo Ortellado, professor de polícias públicas da Universidade de São Paulo.
“Misturar coisas tão díspares tem cara de perseguição e abuso”, diz.
Ele lembra que, durante meses, manifestantes de direita acamparam em frente à Assembleia Legislativa de São Paulo em protesto contra o legislativo paulista e, depois, em 2022, passaram semanas em frente à sede do Comando Militar do Sudeste, pedindo intervenção militar.
“Em nenhum dos dois casos, os protestos que visavam colocar em xeque as instituições democráticas geraram prisões por abolição do Estado democrático, o que teria muito mais cabimento”, explica Ortellado, que também é coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP.
O acampamento golpista em frente ao Comando Militar, com manifestantes defendendo a abolição do Estado democrático de direito através da destituição violenta de Lula pelas Forças Armadas, só foi desmontando pela Polícia Militar no dia 9 janeiro do ano passado, não por uma decisão do governo estadual, mas do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
O protesto desta quarta foi contra a decisão de São Paulo de aumentar a passagem de metrô e trem para R$ 5 a partir de janeiro. Entre os detidos, há adultos e jovens com menos de 18 anos. Os policiais militares que efetuaram as detenções afirmam que foi encontrado com eles objetos como faca, canivete e martelo, além de gasolina, garrafas e produtos para serem jogados contra forças de segurança.
De acordo com o documento, obtido pelo repórter Mateus Araújo, do UOL, as substâncias seriam usadas para impedir a “atuação dos agentes públicos, podendo causar, inclusive, lesões permanentes e até mesmo a morte e também atentar aos manifestantes que estavam no local de forma ordeira e pacífica”.
Se esses produtos estavam realmente sendo transportados para uma manifestação, os responsáveis devem ser punidos com todo o rigor da lei, incluindo prisão. Contudo, há muitos crimes previstos no Código Penal para tanto. Afirmar que havia uma tentativa de enterrar a democracia é uma justificativa fora da realidade com cara de vingancinha ou para abrir um precedente.
Além disso, a polícia associou o lema “parar a cidade”, presente em mensagem publicada em redes sociais para convocação do protesto, a uma ação que “alimenta por si só um sentimento de enfrentamento, colocando em risco toda a população de bem que ali circula” e motiva “um caos e desordem urbana”.
O que é outra safadeza. O argumento não tem cabimento uma vez que a frase foi usada à exaustão não apenas nas manifestações contra o aumento da tarifa nas Jornadas de Junho de 2013, mas também em outros protestos, como aqueles realizados pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016.
Protestos que param vias públicas fazem parte da tradição democrática brasileira e vem sendo realizados pela esquerda e pela direita. Ao criminalizar esse tipo de manifestação, ignorando que elas não pedem golpe, o estado de São Paulo parece querer copiar o governo do presidente argentino, Javier Milei, que está punindo quem ocupar ruas e avenidas.
Publicado originalmente no Uol