Policiais vão responder por matar menino negro de 10 anos com tiro na cabeça. Por Caê Vasconcelos

Atualizado em 25 de agosto de 2020 às 17:59
Marcha da Consciência Negra de 2016: manifestantes lembram morte de Ítalo | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo

POR CAÊ VASCONCELOS

Morto com um tiro na cabeça aos 10 anos pela Polícia Militar de São Paulo, Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira foi criminalizado e apontado como suspeito de roubar um carro e trocar tiros com a PM no Morumbi, bairro rico da zona sul da cidade de São Paulo, ao lado de um amigo de 11 anos, em junho de 2016. Quatro anos depois, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo exigem que a denúncia contra os PMs seja aceita, rejeitada em setembro de 2018 pela juíza Debora Faitarone.

O julgamento teve participação dos desembargadores Osni Pereira (relator), Newton Neves e Otávio de Almeida Toleto. Para eles, não cabe ao magistrado “realizar juízo de valor acerca das provas até então produzidas,
tampouco rejeitar a denúncia com fundamento na legítima defesa”, diz o acordão assinado por Pereira.

“A excludente de ilicitude é questão controversa a ser oportunamente dirimida pelo Conselho de Sentença”, continua. Para os desembargadores, a morte de Ítalo “não configura quaisquer das hipóteses que autorizam a rejeição liminar da denúncia”.

Para o advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, “os indícios de que o menino Ítalo foi executado sempre foram muito claros”.

“Os laudos do Instituto de Criminalística e o próprio inquérito policial concluíram que só ocorreram disparos de fora para dentro do veículo. Apenas os PMs realizaram disparos. A testemunha, outra criança na época, disse que Ítalo estava desarmado e que não realizou nenhum disparo contra os policiais”, aponta Alves.

Para o advogado, “era impossível uma criança de 10 anos dirigir um veículo que nem automático era, e, ao mesmo tempo, abrir e fechar os vidros e realizar disparos com o carro em movimento”.

Com a decisão do TJ-SP, afirma Alves, “o primeiro passo foi dado só agora diante desse caso patente de brutalidade policial que não poupa nem as crianças”.

Em março de 2017, o Ministério Público havia encontrado 23 falhas no inquérito policial. O promotor Fernando César Bolque havia afirmado que Ítalo não havia atirado contra os PMs.

Em 28 de agosto de 2018, o promotor Bolque havia denunciado os policiais militares Otávio De Marqui e Israel Renan Ribeiro da Silva por homicídio qualificado e fraude processual, e Daniel Guedes Rodrigues, Lincoln Alves e Adriano Alves Bento por fraude processual. Para Bolque, matar uma criança de 10 anos é um crime.

Para o Ministério Público, os policiais mataram Ítalo, forjaram uma troca de tiros, pegaram a arma do crime e rodaram por quase duas horas com a única testemunha do caso dentro da viatura com o intuito de intimida-la. Na época, os agentes chegaram a gravar um vídeo em que o garoto sobrevivente “inocentava” os PMs, que depois foi desmentido pelo menino.

Para Faitarone, aceitar a denúncia seria uma grande injustiça: “Seria uma negação do Estado aos direitos humanos dos policiais, os quais, mataram sim, mas em combate, em situação de legítima defesa própria, de terceiros e também no estrito cumprimento do dever legal”, sustenta no texto.

A magistrada é a mesma que absolveu os 5 PMs acusados de matar os pichadores Alex Dalla Vechia Costa, 32 anos, e Ailton dos Santos, 33 anos, em 2014, em um prédio na zona leste de São Paulo. A decisão foi proferida em novembro do ano 2017 e o argumento utilizado foi o mesmo: legítima defesa, embora inquérito do caso apontasse, baseado no depoimento de testemunhas, que as vítimas estavam rendidas no momento dos disparos.

Um mês depois de rejeitar a denúncia da morte de Ítalo, a juíza foi flagrada pelo UOL no batalhão da Rota, no aniversário do batalhão, posando e fazendo sinal de arma com as mãos com o então candidato a senador Major Olimpio (PSL-SP).

Os próximos passos do processo

Com a decisão dos desembargadores, explica o advogado Ariel de Castro Alves, o processo deve voltar para a mesma Vara do Júri. “Não deveria ficar com a mesma juíza, mas sim com a juíza auxiliar da Vara”.

“Se voltar para mesma juíza, o MP pode alegar a suspeição diante da sentença anterior dela, que rejeitou a denúncia, uma verdadeira peça de defesa e de exaltação dos PMs, inclusive com ataques as entidades de direitos humanos”, aponta.

A reportagem procurou a assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo e aguarda confirmação.

Outro lado

A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Militar sobre o caso, solicitou entrevistas com os cinco policiais militares e aguarda retorno.

Matéria atualizada às 14h30 do dia 25 de agosto para inclusão das informações sobre os próximos passos do processo