Pôncio Pilatos e o eterno vício de não estar nem aí. Por Stefano Massini

Atualizado em 7 de abril de 2023 às 17:36
Ecce Homo (“Eis o Homem”), quadro de Antonio Ciseri de Pilatos apresentando Jesus ao povo de Jerusalém

Publicado no La Repubblica

Por Stefano Massini

Pôncio Pilatos é um amontoado de fake news. Conta-se que ele era um homem fraco, talvez intimamente honesto, sensível, e, ao se encontrar com um certo nazareno na prisão, tentou de tudo para salvá-lo, até que, com o gesto de se lavar as mãos, deixou claro que a culpa não era dele, mas do Sinédrio.

Em suma, paradoxalmente, daquele processo, Cristo saiu condenado, e Pilatos, moralmente absolvido, de modo que algumas Igrejas coptas o veneram como santo, e até se espalhou o boato de que, em sua velhice, São Pôncio se converteu e morreu com o conforto da fé.

Se ainda havia alguma dúvida sobre a afetuosa indulgência de que goza o prefeito da Judeia, basta lembrar que, quando Luigi Magni lhe dedicou um filme em 1987, quem entre todos os atores italianos ele escolheu para o papel? Nino Manfredi. Sim. Caso contrário, quem? Manfredi é perfeito para encarnar aquela indolência astuta, aquela bondosa simpatia da região da Ciociaria, que, no fim, suaviza, ameniza e perdoa tudo, porque a bondade de espírito dos provincianos é uma lei a ser escrita na Constituição. Além disso, sabe o quê? Somos todos Nino Manfredi, e somos todos Pôncio Pilatos, com aquela legítima dose de astúcia e de apatia que não arranha a nossa monolítica presunção de inocência.

Mas não. Em vez disso, digo eu, era melhor Ugo Tognazzi. Ácido, mordaz naquele seu incomparável modo de traçar a sordidez do homem médio, suas farsas muito miseráveis, sua abjeção muitas vezes alimentada pelo cinismo, cheia de arbítrios e de licenciosidades. Pilatos era isso, segundo as fontes históricas, para além dos Evangelhos.

Ele nos é descrito como um funcionário nada iluminado, pelo contrário, bastante propenso à opressão e ao abuso, conhecido por ter sedado todo mínimo clamor de protesto com o derramamento de sangue. Mas o mais importante é que o senhor governador nunca perdeu uma oportunidade para se mostrar um valentão, tipicamente afetado pelo abuso de poder: havia humilhado os locais expondo dentro do perímetro da Cidade Santa os estandartes divinos de Tibério, e quando havia sido obrigado (pelo próprio imperador) a retirá-los, insistira com mais gestos de desprezo, razão pela qual, em várias ocasiões, foi chamado à ordem pelos seus superiores. É o suficiente para delinear o personagem ou é preciso acrescentar que não lhe faltam acusações de venalidade e corrupção?

Por outro lado, mais do que claro é o epílogo catastrófico de sua carreira, visto que ele ordenou massacrar com a cavalaria um ajuntamento de samaritanos no Monte Garizim, e quando, por punição, foi removido do cargo e transferido para o Rhône, suicidou-se. Não, Pôncio Pilatos não era a alma eleita, vibrante de palpitações e intuições, mal escondida sob a couraça.

Por outro lado, a historiografia nos entrega a imagem de um politiqueiro medíocre, de baixíssima calibre, um liliputiano que, de repente, descobriu-se diante de algo muito maior do que ele: aquele jovem profeta que entrara em Jerusalém acolhido por multidões jubilosas, agora era entregue a ele pelos Sacerdotes que o queriam morto, e pode até ser que Pilatos tenha percebido uma energia inusitada nos olhos daquele filho de carpinteiro, mas ficou registrado nos autos que, por medo ou por indiferença, intuiu que desta vez a questão era séria, que ele podia se comprometer e, por isso, não quis sujar as mãos.

Pilatos é aquele que não está nem aí, dito em poucas palavras, e não está nem aí publicamente, conscientemente, com aquela soberba ostensiva de sua própria pequena cabotagem, porque nada nem ninguém pode elevar o medíocre do perímetro consolatório de sua mediocridade. Se um barco carregado de migrantes afunda em Cutro, ele se lava as mãos, e também se chover mísseis sobre Kiev, e também se a calota polar derreter, e também se uma fábrica demitir 400 operários, e também se ao seu redor – a três passos ou a 30 mil, não faz diferença – qualquer coisa lhe pedir o menor sinal de solidariedade ou de cooperação.

Pôncio Pilatos salva apenas a si mesmo e salta para trás como uma tartaruga em sua carapaça assim que se sente tocado por algo maior do que ele, por uma medida que ultrapasse a régua de 30 cm de sua caixa existencial; e assim o vírus não existe, a limpeza étnica é uma montagem, os migrantes não fogem de nenhuma ameaça, o clima não está nada doente, todo alerta é superdimensionado, negar, negar, negar, e não há saída senão fugir e se lavar as mãos no mesmo instante, protegendo o refúgio dourado de sua própria casca de noz.

Em março de 1964, no Queens, uma garota chamada Kitty Genovese foi estuprada e morta em um parque da cidade, observada pelo olhar de várias dezenas de pessoas nas janelas. Ninguém interveio, ninguém levantou um dedo, e se na época o episódio causou indignação e um longo debate, ao contrário, 60 anos depois, não se sujar as mãos é a opção mais óbvia e recorrente, de modo que o escândalo é descartado.

Pôncio Pilatos está simplesmente por toda a parte.