Por ordem da ditadura militar, Jornal Nacional da Globo quase foi trocado por Pica Pau em 1969

Atualizado em 1 de outubro de 2018 às 9:41
Os jornalistas Cid Moreira e Hilton Gomes nos primórdios do Jornal Nacional, em 1971. Foto: Divulgação/Memória Globo

Thell de Castro do site Notícias da TV informa que o Jornal Nacional fez sua estreia na Globo em 1º de setembro de 1969 e, logo de cara, teve um batismo de fogo. O país vivia sob forte censura por causa do governo militar e dois acontecimentos quase fizeram o jornalístico ser trocado pelo desenho Pica Pau. No último minuto, porém, um apelo desesperado fez a diferença e garantiu a transmissão.

Três dias depois da estreia, em 4 de setembro, o embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick (1908-1983), foi sequestrado no Rio de Janeiro _a história é contada no filme O Que É Isso, Companheiro? (1997), indicado ao Oscar. Alguns dias antes, o presidente Artur da Costa e Silva (1899-1969) havia sofrido um derrame cerebral e foi impedida a posse do vice-presidente, Pedro Aleixo (1901-1975), que era civil. Assim, uma junta militar composta pelos três ministros das Forças Armadas assumiu o governo em 31 de agosto.

Walter Clark (1936-1997), então diretor-executivo da Globo e responsável, ao lado de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, por elevar a emissora à potência que é até os dias atuais, contou em sua autobiografia, O Campeão de Audiência, escrita em conjunto com o jornalista Gabriel Priolli, que a situação era muito complicada.

Dez minutos antes da quinta edição do Jornal Nacional entrar no ar, com Hilton Gomes (1924-1999) e Cid Moreira no estúdio, os roteiros prontos e os filmes posicionados no telecine, um assessor correu para avisar Clark que o coronel Manoel Paes, do gabinete do ministro Lira Tavares (1905-1998), um dos três integrantes da junta, queria falar com ele ao telefone. O executivo da Globo ficou em uma posição muito difícil. “Eu tinha menos de 10 minutos para me arranjar ou cancelar a transmissão do JN. Afinal, com a censura ou não, com prudência na mão, fazíamos jornalismo e a maior parte daquela edição era dedicada às notícias que interessavam a todo mundo: o sequestro e a doença. Não haveria como eliminar essa parte. Todo o jornal teria de cair”, contou.

O jeito foi ligar para o proprietário da emissora, Roberto Marinho (1904-2003), pedindo sua intervenção urgente. “Ele disparou telefonemas para todo lado, tentou falar diretamente com o Lira, mas não teve sucesso. Minutos depois, me devolveu a bola. Já bufando de nervosismo, suando em bicas, alucinado, tentei no último instante um apelo desesperado. Liguei de volta ao coronel Paes e supliquei.”

Segundo Clark, seu discurso foi o seguinte: “O senhor tem de compreender que não posso atendê-lo, coronel. Se eu tirar o jornal e puser um desenho do Pica Pau no lugar, minha única alternativa, o impacto vai ser muito grande. No clima em que estamos, todo mundo está esperando pelas notícias e isso vai dar numa boataria infernal. E o senhor sabe que boato é pior que notícia. Eu lhe peço um crédito de confiança aos profissionais da Globo. Aqui, ninguém está a fim de pôr fogo no país”. “Por milagre”, nas palavras do autor, o coronel concordou. “Foi só eu desligar o telefone e dar o sinal verde que entrou no ar a vinheta de abertura. No ultimíssimo instante. Tudo correu bem até o final, porque, claro, o jornal não trazia nada demais, noticiava os fatos com serenidade”, completou Clark.

Dessa forma, o Jornal Nacional escapou de ser trocado por um episódio de Pica Pau e seguiu sua trajetória até os dias atuais, tendo completado 49 anos recentemente.