Por que 2023 não é 2002 e não será 1964. Por Chico Teixeira

Atualizado em 14 de junho de 2023 às 22:22
Protesto contra o fascismo. Foto: Reprodução

Seria muito bom, mas ingênuo, imaginar que uma eleição – difícil, marcada pelo uso massivo da máquina de Estado – possa mudar uma polarização radicalizada entre democracia e fascismo, como existente hoje no Brasil. Infelizmente, o núcleo político do governo Lula da Silva não entendeu a atual situação no Brasil, a virada brutal que se deu na política brasileira depois de 2013/2014 – contemporânea da virada na Ucrânia e com o mesmo sentido.

Isso mesmo: Dilma Rousseff foi vítima de uma “Revolução Colorida”.

Em 2013 o fascismo, ainda desorganizado, fez sua aparição na cena política (para além de flor exótica de redoma museológica).

As pesquisas de Adriana Dias e do grupo de estudos de Dilton Maynard – o GTempo/UFS – comprovam isso. No entanto, o núcleo político-militar do governo (com o então Ministro chefe do GSI, general GDias, a Abin, os ministros Rui Costa, Alexandre Padilha, José Múcio Monteiro e, por vício de estabilidade e de apego a imagem pública, o Ministro Mauro Vieira, do Itamaraty), apostaram na “Doutrina do Gradualismo” visando “apaziguar” o bolsofascismo – palavra que se tornou infame exatamente na História dos fascismos – mas, isso os ministros não conhecem e nunca estudaram. Estabeleceu-se como “doutrina” que os ditos “acampamentos patrióticos” eram compostos de brasileiros democratas e pacíficos, posto que lá estavam até parentes do ministro da Defesa, conforme afirmou em autodeclaração em 2 de janeiro de 2023.

Assim, não afastaram os bolsofascistas das áreas centrais, vitais, do Estado, que fora eficazmente colonizado por fascistas, reacionários e militares saudosos de 1964 durante os Governos Temer e Bolsonaro. Os bolsofascistas continuaram na Abin e no GSI depois da posse de Lula da Silva e mesmo depois do golpe Estado falhado de 8 de janeiro de 2023.

Repressão na ditadura

Lá estavam para conspirar e trair a ingenuidade política do próprio Gal GDias (e do ministro da Defesa e de seus parentes “patrióticos”). Somente com o “estranho evento” de 19 de abril de 2023, quando a CNN mostra vídeos – vazados pelo próprio GSI – no qual GDias aparece atônito e paralisado no Palácio do Planalto em plena invasão dos depredadores fascistas. No entanto, após a prisão do tenente coronel Mauro Cid, em 18 de maio de 2023, emergem planos reais, concretos, do golpe de Estado preparado para 30 de outubro de 2022, quando haveria uma intervenção no STE e no STF, com prisão de ministros e anulação do resultado eleitoral, declarando-se Jair Bolsonaro o único vencedor das eleições.

Para isso reuniram-se tropas do Comando Militar do Planalto, do Batalhão Duque de Caxias e mais 1500 homens trazidos do Rio de Janeiro, onde o submundo do crime e as origens do fascismo se confundem e se retroalimentam -vide o Caso Marielle e Anderson. O responsável por essa conexão Rio/Militares/bolsonarismo seria nada menos que o coronel Elcio Franco, nomeado para Agência Nacional de Saúde, e conselheiro da camarilha bolsonarista, e que comandou a (des)Saúde Pública – braço direito do notório general Pazuello – brasileira enquanto os brasileiros morriam aos montes sufocados em Manaus e ou se realizava o genocídio Yanomami.

Fracassado por total imobilidade das tropas, o golpe de 30/10/2022 foi transferido para 8/01/2023. Todas as forças fascistas foram convocadas para a “Festa da Selma”, senha/código da Insurreição fascista (emulando Roma, 1922; Munique, 1923; Kiev, 2014; La Paz, 2019 e o Capitólio em 2021). Assim erguiam-se os três pilares do golpe: 1. Os 20 mil depredadores fascistas reunidos com financiamento do agronegócio e do capital financeiro; 2. A conspiração no âmbito do Governo do Distrito Federal, com Anderson Torres à frente, utilizando-se da PM do GDF e, finalmente, 3. A conspiração no âmbito dos órgãos federais, como o próprio GSI, Abin, Batalhão Duque de Caxias e o Comando Militar do Planalto.

Invasores do Palácio do Planalto em 8 de janeiro. Reprodução

As Forças Armadas, divididas, hostis ao PT e a Lula, mas sem qualquer consenso para um golpe de estado, só sairiam dos quartéis se a Insurreição fascista tomasse fôlego e se estendesse pelo país. O que quase aconteceu entre 6 e 9 de janeiro de 2023: torres de transmissão de energia foram dinamitadas em São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul; refinarias foram cercadas e ameaçadas de invasão em São Paulo e Rio de Janeiro e bloquearam-se estradas nos Estados do Sul. Aposta era no caos que imporia o “apelo” á ordem por parte das FFAAs.

No entanto, o governo federal reagiu rápido, ladeado pela Advocacia Geral da União, com o Ministro Jorge Messias, e o Ministério da Justiça, sob Flávio Dino. Recusaram a imposição de uma operação de GSI já engatilhada – que viria ser de fato a tal “Intervenção Militar Constitucional”, apoiada no escombro da ditadura inserido na Constituição de 1988, o debatido Artigo 142. O governo optou pela intervenção federal civil, baseada no Artigo 136, que versa sobre o Estado de Defesa, escolhendo um civil, o jornalista Ricardo Capelli, como interventor.

Mesmo assim, houve reações: o comandante do Exército, general Arruda, moveu blindados e desdobrou tropas para impedir a ação do Interventor Federal e do próprio Ministro da Justiça, dando tempo para a fuga de elementos de Operações Especiais infiltrados entre os depredadores no Palácio do Planalto, no STF e no Congresso Nacional. A mesma atitude deu-se com o coronel Fernandez da Hora, comandante militar do Batalhão Duque de Caxias, a guarda presidencial do Palácio do Planalto. Ainda não se sabia, no entanto, que o general GDias participara dessa operação de fuga dos responsáveis e viria a ocultar do próprio Presidente da República as provas da “abertura das portas” do Palácio para os invasores, nas palavras do próprio Lula da Silva.

Assim, a lentidão na hora de assumir as responsabilidades do Estado e a incompreensão de que os inimigos hoje são os fascistas, não o PSDB como em 2002, paralisaram o governo – e em parte ainda está paralisado com bolsonaristas em cargos na Saúde, na Educação, no Incra, no Dataprev, na PF, na PRF, em órgãos da Cultura e da Gestão Pública. O fascismo, histórico e contemporâneo, desde as análises de Nico Poulantzas e de Detlev Peukert, se distingue das ditaduras pessoais, como no caso de Vargas e Perón e das ditaduras militares, como no Brasil ou Chile. Como “Estado de Exceção” destrói por dentro as regras institucionais da democracia liberal representativa, toma em silêncio as instituições do Estado – como as polícias, a clínica, a magistratura, a escola etc — para então assestar seu golpe fatal. O primeiro levante fascista na Alemanha foi em 1923 e, no entanto, Hitler só chegaria ao poder – apoiado por outro “centrão”, o Partido do Zentrum e as forças conservadoras -, dez anos depois, em 1933.

O fascismo contemporâneo não fará um golpe como aqueles de 1964 ou 1973 na América do Sul e, tampouco, são forças políticas do “arco constitucional”, como era em 2002 o PSDB. O bolsofascismo trabalha na putrefação do Estado de Direito, no mal-estar coletivo e com o ressentimento dos grupos sociais que imaginariamente se sentem roubados – a “perda” subjetivada – pela ampliação do “demos”, da democracia, em direção aos grupos alternativos e diversos, e por isso tornam-se tão facilmente capturáveis pelo racismo, misoginia, falocracia e pelo machismo.

O governo Lula deveria “afinar” seu núcleo político e entender que nenhum cargo ou ministério acalmará a fome fascista. A única saída da maré montante extremista é ampliar o diálogo com as forças vivas da população, abandonar o medo ao povo, promover novos interlocutores, muito além dos gabinetes de Brasília.

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