Por que a China deu certo e o Haiti fracassou

Atualizado em 5 de julho de 2013 às 20:29

E o que o Brasil pode aprender com isso.
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O CAMINHO PARA O PROGRESSO JÁ É ÁRDUO quando tudo ajuda. Mas quando você tem obstáculos como uma religião plena de crendices fica, virtualmente, impossível, como se pode verificar na triste, miserável história do Haiti. O vídeo acima resume centenas de anos do Haiti em menos de seis minutos. Tudo bem, os franceses foram colonizadores com espírito predador. Calcula-se que o Haiti, em dinheiro atualizado, tenha pago quase 22 bilhões de dólares para a França em indenização quando declarou, no final do século XVIII, sua independência. Isso depois de ter sido administrado por engagés, presos na França que atravessavam o oceano em busca da liberdade e de atrações como as nativas submetidas a seus caprichos sexuais. Quando o líder da insurreição haitiana, Toussaint L’Ouverture, um homem esclarecido e culto, apelidado o Napoleão Negro, foi à França para entabular negociações acabou posto na cadeia, onde morreria.

Isto foi, em síntese, a contribuição da França para o Haiti.

Não foi um bom começo, mas a continuação à base do vudu tornou ainda mais complicadas as coisas. Imagine se o destino do Brasil fosse traçado, pelos governantes, a partir de um terreiro de candomblé. Toda religião merece ser respeitada, e isso inclui o vudu e o candomblé, mas misturar cultos com a gestão de um país é pouco recomendável. Governo é governo, religião é religião.

O Napoleão Negro terminou morto na França

Para que você tenha uma idéia de quanto as coisas se misturaram no Haiti. O líder mais marcante do Haiti nos últimos 50 anos, François Chevalier, o Papa Doc, enviou poucos meses depois da morte de John Kennedy um emissário secreto aos Estados Unidos. Sua missão: recolher um pedaço de terra de cada canto do túmulo de Kennedy, uma flor e um pouco de ar, que deveria ser guardado numa garrafa. Eram os ingredientes com os quais Papa Doc, que tiranizou os haitianos entre 1957 e 1971, imaginava incorporar o espírito de Kennedy para, assim, atrair a boa vontade da administração americana para seu país. Fora isso, Papa Doc tinha a convicção de que ele tinha sido vital, com as artes e o feitiço do vudu, para a morte de Kennedy. A fé cega levava Papa Doc a se enclausurar em seu palácio para dele sair apenas num determinado dia do mês. É preciso notar que, com todas essas bizarrices, Papa Doc era teoricamente  menos vulnerável a coisas muitos estranhas do que os analfabetos que compõem a maior parte da população do Haiti.  Era médico de formação. Ele foi um terremoto na vida dos haitianos. Com sua polícia selvagem, os Tontons Macoutes, reconhecidos pela aparência sinistra por trás dos óculos escuros, Papa Doc foi o responsável pela morte de pelo menos 30 000 pessoas.

Dá para um país funcionar assim?

Em contrapartida, examine a China. A cultura dominante deriva do filósofo Confúcio, que viveu 2 500 anos atrás. A doutrina de Confúcio diz que a educação é essencial; que sem respeito aos velhos sociedade nenhuma é sadia; que você não deve fazer aos outros o que não quer que façam a você. Há estátuas e museus de Confúcio em toda parte na China. As crianças chinesas citam frases de Confúcio como as brasileiras citam frases de celebridades.

Vi um vídeo sobre a China, feito por uma emissora européia. Um grupo de meninos e meninas estava visitando um museu de Confúcio.  Duas ou três foram ouvidas. Cada qual falou de Confúcio com familiaridade. “Ele disse que estudar sem pensar traz confusão e pensar sem estudar é perigoso”, afirmou uma garota. Não tinha mais que sete anos.  Todo dia, antes da aula, em frente à escola, os chinesinhos fazem ginástica por quinze minutos. Educação, graças aos ensinamentos reverenciados e perpetuados de Confúcio, é uma obsessão chinesa. Você vê aquele vídeo e percebe que o futuro da China está em boas mãos. Aquela garotadinha risonha, álacre e estudiosa está se preparando muito bem.

Confúcio também ensinou o bom senso. O estímulo aos empreendedores mesmo num regime teoricamente comunista é prova disso. A China precisou da brutalidade extraordinária de Mao Tse Tung para se livrar das potências ocidentais que tiravam muito mais do que davam ao país. Mas quando o maoísmo fez e consolidou seu serviço foi, respeitosamente, atirado no lixo, junto com o Livro Vermelho em que Mao compilou suas idéias. Mao serviu por um momento, como um consultor que chega a uma empresa tenebrosamente em apuros com a missão de devolver-lhe a viabilidade. Confúcio serve sempre.

Confúcio

O Brasil parece ter ficado longe do Haiti, mas menos perto da China do que seria desejável. Pelo menos ao que parece, nenhum presidente brasileiro enviou emissários em missões semelhantes à que um homem da confiança de Papa Doc foi desempenhar no túmulo de Kennedy. Mas o Brasil também jamais teve um pensador amplamento aceito que, como Confúcio, estabelecesse os pilares da ética e da moral da sociedade. E nem governantes com visão, grandeza e determinação para suprir a ausência de um guia como Confúcio. Sucessivos governantes brasileiros se repetiram no fracasso humilhante em transformar a educação numa obsessão nacional como é entre os chineses.

Não somos o Haiti, com todo o respeito que o país merece, sobretudo nessa hora de dor. Mas também não somos a China.

Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 24 de janeiro de 2010.