De Willian Cruz, publicado no Vá de Bike.
Ao contrário do que pensam os que a consideram um “delírio autoritário” do atual prefeito, a ciclovia na avenida símbolo da cidade é uma demanda antiga dos ciclistas de São Paulo e é considerada uma das maiores conquistas do cicloativismo paulistano. A via já estava incluída em planos cicloviários da cidade desde, pelo menos, 2008, sem contudo ser implantada – o que mostra, mais uma vez, que planejamento sempre foi feito, o que faltava era colocar em prática alguma parte de todos esses estudos.
Foi nesta avenida que perdemos Márcia Prado, em 2009, Juliana Dias, em 2012, e Marlon Moreira de Castro, em 2014, após serem atropelados por motoristas de ônibus, além do caso de David Santos, que teve seu braço levado ao ser atropelado por um motorista embriagado e quase veio a óbito na ocasião, sendo ressuscitado por massagem cardíaca pelo estudante de Publicidade Thiago Chagas dos Santos, de 26 anos, que passava pelo local.
A Paulista já foi palco de um sem número de Bicicletadas (que ocorrem mensalmente na avenida), Pedaladas Peladas, passeios do Dia Mundial Sem Carro e muitas outras manifestações por um trânsito mais seguro. Uma delas foi realizada em resposta ao atropelamento de David, com a afixação de um braço de plástico simbólico no canteiro central, e acabou resultando na primeira reunião de ciclistas com um prefeito na história da cidade e, por consequência, na primeira campanha de respeito ao ciclista veiculada na TV na cidade e na decisão de colocar em prática o plano de 400 km de ciclovias.
Não à toa, ciclistas comemoraram o início das obras, em janeiro, com uma divertida “pajelança”, com direito a champanhe (ou espumante, como queiram), sal grosso e folhas de arruda. Veja em vídeo.
Quando uma ação do Ministério Público suspendeu a implantação das ciclovias em 2015, uma manifestação com mais de 7 mil pessoas lotou a avenida de bicicletas e foi ecoada em dezenas de cidades do Brasil e do Mundo, pedindo continuidade da implantação de ciclovias na cidade. A suspensão foi derrubada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Opositores
Algumas figuras públicas se posicionaram contrárias a essa ciclovia, como o vereador Andrea Matarazzo (PSDB), que chegou a afirmar que “se faz de tudo para os ciclistas e se esquece dos carros”. O vereador também afirmou que o canteiro central era “essencial para a segurança de pedestres e motoristas“, dando a entender que a ciclovia colocaria em risco a vida de quem dirige. Devido à repercussão negativa de suas declarações, Matarazzo posteriormente mudou de opinião, passando, ao menos no discurso, a ser favorável à estrutura. Mas continua criticando o plano de 400 km de ciclovias com base em fotos de obras em andamento (mesmo depois de concluídas) e de problemas pontuais, o que tem gerado críticas em seu perfil no Facebook. Uma das fotos utilizadas pelo vereador, por sinal, é propriedade intelectual do Vá de Bike e foi utilizada sem autorização, tendo nosso logotipo cortado da imagem.
A Associação Paulista Viva também contestou a construção da ciclovia, alegando serem necessários “estudos mais aprofundados”, para que a intervenção possa “atender a todos os cidadãos de forma justa”. Entre outros questionamentos, apontou uma suposta “descaracterização da ideia de boulevard” da avenida.
Apesar da importância da estrutura ter sido destacada com unanimidade em Audiência Pública na Câmara Municipal de São Paulo, em novembro de 2014, a ação do Ministério Público Estadual, na qual a promotora Camila Mansour Magalhães da Silveira pedia interrupção da implantação das ciclovias, também exigia que a obra dessa avenida fosse interrompida – o que foi negado pela justiça, apesar da suspensão temporária dos trabalhos em outros locais da cidade. A interrupção foi fortemente criticada por diversos setores da sociedade e culminou em uma manifestação com milhares de pessoas, apoiada por dezenas de cidades em todo o mundo, sendo finalmente suspensa pelo TJ-SP.
A imprensa tradicional também se posicionou contrária à implantação em diversos momentos. Dois exemplos marcantes foram a matéria da revista Veja questionando o custo das obras e esta reportagem da Globo (entre várias outras), reclamando sobre a “tinta” da ciclovia.
Por que a ciclovia da Paulista é importante?
Segundo dados da CET, a Paulista é a via com mais acidentes com ciclistas por quilômetro em São Paulo – um título nada agradável para a avenida que representa a cidade. Uma de suas esquinas também é considerada, historicamente, a líder de atropelamentos de pedestres na cidade, com a sinistra alcunha de “esquina da morte”.
Apesar da falta de receptividade dos motoristas, muitas pessoas passam em bicicletas pela avenida, principalmente no horário de pico da tarde. Uma contagem fotográfica realizada pela Ciclocidade em 2010 registrou 733 ciclistas na avenida em um espaço de 16 horas. A média de 52 ciclistas por hora equivale a praticamente uma bicicleta por minuto, mesmo sem haver ciclovia ou qualquer outro tipo de sinalização no local. E isso há cinco anos. De lá para cá, a quantidade de pessoas utilizando a bicicleta em seus deslocamentos na cidade cresceu a olhos vistos.
Mas se a bicicleta não é bem aceita pelos motoristas na avenida, por que ainda assim tanta gente resolve passar pedalando por ali? Para responder a essa pergunta, é importante entender que as pessoas raramente saem de casa para passear na Paulista de bicicleta. Quase sempre trafegam ali para chegar a algum lugar – como os motoristas que ali estão. E para muita gente esse é o melhor caminho quando se está de bicicleta, por ser o mais curto e mais plano.
O eixo do “espigão”, que vai do Jabaquara à Pompeia, é relativamente plano, com um desnível irrisório e bem distribuído ao longo de seus mais de 13 km de extensão. Qualquer rota alternativa implica em muitas subidas e em aumento da distância percorrida – o que todo ciclista que está realizando um deslocamento sem intenção de treino costuma evitar.
Paralelas
Por mais que se peça, incentive ou obrigue a circulação de ciclistas nas vias paralelas, muita gente continuaria utilizando a Paulista para se deslocar em bicicleta, por dois motivos que se complementam: aclives e falta de segurança viária. Como a questão dos aclives é bastante clara, comentaremos apenas a questão da segurança.
Na Alameda Santos, o principal problema está nos trechos de subida, onde motoristas embalados pela descida anterior e acelerando livremente devido à falta de fiscalização se tornam impacientes com qualquer veículo em baixa velocidade à sua frente. Numa situação como essa, os maus motoristas buzinam, forçam passagem, passam perto demais e fecham o ciclista, principalmente por se tratar de uma via com menos faixas de rolamento e veículos estacionados, que dificultam as ultrapassagens.
No sentido oposto, no trecho inicial, relativamente plano, há presença intensa de ônibus. Além de virarem à direita ao chegar na Brigadeiro, as faixas mais estreitas e em menor número dificultam aos motoristas dos coletivos a realização de ultrapassagens. Parte deles acaba forçando a passagem, com o veículo de várias toneladas a centímetros do ciclista, geralmente com velocidade alta devido à ligeira descida. Um risco fortíssimo de atropelamento e morte.
Além do aumento do esforço físico e da distância ao adotar esses trajetos paralelos, as situações de risco com carros e ônibus assustam e afastam os ciclistas dessas vias. Por isso, muitos se sentem menos seguros nessas paralelas do que na avenida principal.
Deslocamentos humanos
As grandes avenidas costumam ser construídas em regiões de fundo de vale ou sobre “espigões”. Isso faz com que as paralelas geralmente tenham aclives, tornando a avenida principal o caminho mais plano, reto e geograficamente adequado a quem usa a bicicleta.
Em uma cidade para pessoas, esses caminhos seriam priorizados para pedestrianismo e meios movidos a propulsão humana, deixando o ônus dos aclives para quem só precisa pisar em um pedal ou torcer uma manopla para vencê-los.
Não adianta insistir para que o ciclista escolha outro trajeto: quem se desloca usando um meio que dependa de esforço físico (a pé, bicicleta, skate, patins e outros) tende sempre a buscar o caminho mais curto e plano. É isso o que também faz as pessoas atravessarem fora da faixa de pedestres, por exemplo, quando utilizá-la implicaria em um deslocamento de dezenas de metros.
São escolhas lógicas, naturais e compreensíveis, que devem ser aceitas e protegidas pelo poder público, além de previstas e incentivadas por quem planeja a infraestrutura viária e o meio urbano, tornando a cidade mais amigável e segura para quem for a pé ou de bicicleta e incentivando os deslocamentos sustentáveis, que fazem bem para as pessoas e para as cidades.