A sociedade perde com a falta de pluralidade de ideias quando o jornalismo é oligopolizado.
Frank de La Rue, relator da ONU para a liberdade de expressão, disse coisas importantes em sua recente passagem pelo Brasil.
Lamentavelmente, mas não surpreendentemente, a cobertura foi virtualmente nula, embora o tema de alto interesse público: liberdade de expressão.
Rue foi ignorado por uma razão: ele disse coisas que não atendem aos interesses corporativos das grandes empresas de jornalismo, a começar pela Globo.
Em outras ocasiões, ele foi bem coberto pela própria Globo, como verifiquei numa pesquisa rápida. O Jornal Nacional e o Globo deram bem críticas que Rue fez, em 2009, a Chavez na questão da imprensa.
Portanto, Rue é notícia na Globo quando fala coisas que agradam à família Marinho e é nada quando fala coisas que desagradam.
Essa delinquência jornalística simboliza o ponto que Rue defendeu no Brasil: o país tem que discutir uma lei de mídia, em nome da liberdade de expressão e, mais ainda, do direito sagrado dos brasileiros à informação.
O Diário já defendeu várias vezes que o Brasil se inspire na reforma que está sendo feita na Inglaterra por inspiração do juiz Brian Leveson, que por mais de um ano comandou uma investigação sobre os excessos da mídia e as formas de proteger a sociedade deles.
Rue cita dois exemplos vizinhos para o Brasil: a Argentina e o Uruguai. Mais uma vez: o que você lê na grande mídia brasileira são sistemáticos ataques à Lei dos Meios da Argentina, embora o ponto mais importante dela seja mitigar a indefensável, intolerável concentração multimídia do grupo Clarin, obtida graças a favores da ditadura militar.
Sobre o Uruguai, paira um espesso silêncio. Isso quer dizer que os brasileiros não estão tendo acesso a informações importantes para formar opinião sobre a questão da mídia.
Rue tem uma tese sobre a concessão de emissoras de tevês e rádios. As frequências das quais derivam as emissoras de tevê e as estações de rádio são “propriedade do Estado”, nota ele, e deveriam ser administradas como recursos como “solo, água e petróleo”.
O que aconteceu na América do Sul foi uma deformação. Os beneficiários de concessões deram a elas um caráter estritamente comercial. A Globo é o caso mais notável, mas evidentemente não é o único. Essa distorção é generalizada, como se vê na Argentina, por exemplo, com o Clarin, citado acima.
“Concessão não é feita apenas para enriquecer o dono”, diz Rue. No último levantamento da Forbes das maiores fortunas no Brasil, a família Marinho estava no pódio.
Qualquer tentativa de debater a questão da mídia no Brasil costuma ser rechaçada, por ela mesma, como “ameaça de censura”. Mais uma vez, este tipo de argumento apenas comprova o acerto das teses centrais de Rue.
O Diário defende, como já foi dito, uma legislação de mídia nos moldes da dinamarquesa. Na Dinamarca, a liberdade de expressão é um direito sagrado. Foi lá, em nome dessa liberdade, que cartunistas desafiaram o fundamentalismo islâmico ao publicar charges de Maomé.
Para monitorar o comportamento da mídia, os dinamarqueses têm um órgão fiscalizador que é independente das empresas de jornalismo e também do governo. A autofiscalização fracassou miseravelmente na Inglaterra e no Brasil é essencialmente uma piada.
Com atraso de vários dias, a Folha entrevistou Rue, e o resultado está na edição de hoje. Ponto para a Folha, ainda que não se tenha tocado num assunto que ele abordou no Brasil – o absurdo de o jornal destruir, na Justiça, a paródia digital Falha de S. Paulo. (Rue lembrou que nos Estados Unidos havia uma paródia do NY Times.)
As teses de Rue mostram que o Brasil está, infelizmente, distante de ter uma mídia genuinamente “livre” – a não ser que consideremos que “livre” signifique a subordinação completa aos interesses de um pequeno grupo de grandes corporações para as quais notícia é apenas o que as beneficia.