Muitas pessoas estão perguntando: por que a Folha está desconstruindo o golpe que ajudou tanto a dar?
A resposta cabe numa palavra: marketing.
Para a Folha, interessou, até o afastamento de Dilma, derrubá-la. Nunca o jornal publicou um só editorial, por exemplo, para criticar o descarado partidarismo de Gilmar Mendes.
Nunca, também, o jornal moderou sua escandalosa cobertura da Lava Jato. Quantas vezes você viu o pedalinho na manchete?
Numa conversa gravada, Renan disse ter ouvido de Otávio Frias Filho a admissão de que seu jornal estava exagerando na Lava Jato. Mas um momento: se o dono achasse isso mesmo bastaria uma conversa com os editores para que o problema fosse desfeito.
Sobre que assuntos ele despachava com seus jornalistas para não tocar nesse tema de importância tão dramática para o país e, também, para a imagem de seu jornal? Meteorologia? Astrologia? Futebol? Novela?
Claramente ele aprovava o espaço desmedido dado à Lava Jato porque queria, como seus pares, desestabilizar Dilma.
Mas, uma vez feito o serviço, a vida tem que continuar para a Folha. O que fazer para retirar dela a fama de golpista, direitista, desonesta?
O primeiro passo, e fundamental, era mostrar ao público que ela, como dizia sua propaganda, não tem rabo preso com ninguém.
É a hora de publicar coisas que ela jamais quis publicar durante o tormento imposto a Dilma.
Se a Folha sabe fazer jornalismo, é uma questão para a qual cada um tem sua resposta. Pessoalmente, acho que não.
Mas que é excelente em marketing, isso é indiscutível.
Os Frias sabiam que o Globo imediatamente se converteria numa máquina de conteúdo chapa branca assim que Dilma fosse retirada.
A Globo voltaria imediatamente a ser o que foi na ditadura e depois em sucessivos governos até a chegada de Lula ao poder. A corrupção sumiria do noticiário. Os problemas econômicos também. Temer seria apoiado tão radicalmente quanto Dilma foi massacrada.
Crises econômicas, na Globo, agora derivam de fatores externos. A Bolsa cai e o dólar sobe já não são mais consequências do governo. São coisas que vêm de fora.
Os Frias sabiam também o que esperar da Veja: nada. A capa desta semana, por exemplo, quando gravações de conversas quase enxotaram o governo interino, foi a pílula do câncer.
O terreno estava livre para, mais uma vez, a Folha se afirmar como o ” jornal combativo, pluralista, isento, o único que dá qualquer coisa doa a quem doer”.
Tudo isso de mentirinha, mas o que é marketing senão a mentirinha em forma de frases de efeito?
Para usar o jargão publicitário, a Folha se reposicionou prontamente. As demais empresas jornalísticas, ao aderir a Temer sem escalas e sem ressalvas, a ajudaram um bocado.
De certa forma, é um retorno a uma situação antiga. No fim da ditadura, enquanto a Globo defendia os generais que a patrocinavam e o então grande Estadão publicava receitas como forma oca de protesto, a Folha começou a pregar as diretas já.
Virou, com isso, o maior jornal do Brasil.
A opinião pública mais esclarecida carregava sob os braços exemplares da Folha. Universitários eram vistos todos os dias com sua Folha nas mãos.
Tudo isso se tornou pó quando a Folha se juntou às demais companhias de jornalismo para derrubar um governo progressista.
O jornal hoje é desprezado pelo mesmo público que o louvou no passado. O mesmo processo que pegou antes a Veja — a rejeição terminante pelos leitores mais esclarecidos — acabou depois por alcançar a Folha.
Agora é hora de tentar refazer a imagem do jornal.
É possível? Pessoalmente, creio que a melhor resposta foi dada, num artigo recente, pelo ex-ombudsman da Folha Mário Vítor Santos.
Ele notou que, assim como a Nova República se encerra com o golpe, o jornalismo tal como o conhecemos por muitos anos se degradou irremediavelmente quando as empresas passaram a fazer propaganda anti-PT.
Os leitores terão que ser muito ingênuos para acreditar nos bons propósitos desta nova velha Folha.
Credibilidade, como a virgindade, uma vez perdida, para sempre perdida.
Evoco uma frase de Wellington para fechar o artigo: quem acredita nos Frias acredita em tudo.