Por que a França é alvo do terror

Atualizado em 27 de julho de 2016 às 8:53

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Publicado na DW.

 

Em entrevista à DW, a cientista política Ronja Kempin, especialista em França no Instituto Alemão de Assuntos Internacional e Segurança (SWP), afirmou que, entre os motivos para a França ser um alvo frequente de atentados terroristas estão o alto desemprego entre jovens de origem migratória e o fato de o país ter uma grande comunidade muçulmana com dupla cidadania.

“É muito difícil para as autoridades francesas controlar esses cidadãos no momento em que se radicalizam, pois ele podem facilmente sair e entrar do país com seu passaporte francês”, explicou a cientista política.

Além disso, “comparando a França, por exemplo, com o Reino Unido ou os EUA, os dois outros países militarmente envolvidos de forma mais proeminente na luta contra o ‘Estado Islâmico’, percebe-se então que, geograficamente, a França é muito mais fácil de alcançar do que, por exemplo, o Reino Unido em sua condição insular”, acrescentou Kempin.

Na noite desta terça-feira (14/07), durante as celebrações do Dia da Bastilha, um homem de origem tunisiana avançou com um caminhão contra a multidão que assistia à queima de fogos de artifício na avenida Promenade des Anglais, em Nice, provocando a morte de ao menos 84 pessoas.

DW: Por que a França é alvo de tantos ataques terroristas?

Ronja Kempin: Há várias razões que se entrelaçam e tornam a França tão vulnerável. Por um lado, o país é uma das nações europeias de maior participação na chamada luta internacional contra o terrorismo. A França está presente militarmente na Síria e no Iraque, onde bombardeia postos do “Estado Islâmico”.

Em segundo lugar, não devemos ignorar o fato de que, devido ao seu passado colonial, a França possui uma grande comunidade muçulmana com dupla cidadania, ou seja, a francesa e de seu país de origem. É muito difícil para as autoridades francesas controlar esses cidadãos no momento em que se radicalizam, pois ele podem facilmente sair e entrar do país com seu passaporte francês. Eles não precisam de visto para residir na França como sírios, tunisianos ou argelinos, já que possuem cidadania francesa.

Há ainda outros motivos internos. A França é um país laico. Portanto, nela existe uma separação estrita entre Igreja e Estado. Este não se sente responsável por assuntos religiosos. Ou seja, por muito tempo, o país não deu importância para o que estava acontecendo, principalmente nas comunidades muçulmanas. As radicalizações que ali aconteceram passaram despercebidas pelo Estado, que simplesmente não se sentia responsável por isso.

Existem ainda dois outros motivos por que a França é novamente alvo do terrorismo. No momento, o país apresenta um alto desemprego. Quase 10% da população está sem trabalho. A situação se agrava quando sabemos que 64% dos jovens de origem migratória são afetados pelo desemprego e, assim, também pela falta de perspectivas. Aqui há um potencial para a radicalização.

Por último, a cooperação entre os serviços de inteligência franceses ainda é problemática. Os serviços secretos do país ainda não trabalham suficientemente em conjunto. Frequentemente surgem falhas de informação e, ao mesmo tempo, os políticos não consegue achar formas de melhorar essa cooperação de inteligência. As lacunas resultantes – vemos isso nos atentados – têm muitas vezes efeitos fatais para o país e a população.

Na frente de combate ao terrorismo há vários países que também apresentam problemas sociais. Por que tais ataques acontecem repetidamente na França?

Comparando a França, por exemplo, com o Reino Unido ou os EUA, os dois outros países militarmente envolvidos de forma mais proeminente na luta contra o “Estado Islâmico”, percebe-se que, geograficamente, a França é muito mais fácil de ser alcançada do que, por exemplo, o Reino Unido, em sua condição insular. Igualmente, para terroristas que se radicalizam no norte da África, na faixa do território africano conhecida como Sahel ou no Oriente Médio, na Síria, no Iraque, é muito mais difícil atingir os EUA do que o território francês.

Você saberia dizer por que este atentado acontece justamente agora? 

Há dois indícios que levam à resposta de “por que agora?”. Primeiramente, o 14 de Julho é um dia simbólico, o feriado nacional francês, que é utilizado, tradicionalmente, para celebrar os valores da República Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade, as conquistas do 14 de julho de 1789. Também devido à Revolução Francesa, a França se vê como berço da democracia e dos direitos humanos. Para os autores do ataque, praticar um atentado terrorista nessa data deixa claro: não compartilhamos em absoluto dos valores da República, nos defendemos deles e de forma muito ativa. É como se isso tivesse um valor simbólico: o de ser um duro golpe contra tudo aquilo que a França representa nacional e internacionalmente.

Em segundo lugar, durante seu tradicional discurso do feriado nacional, o presidente francês disse, na manhã do 14 de Julho, que o terrorismo estava muito melhor sob controle. E se o atual atentado tiver mesmo uma motivação islâmica, ele seria um sinal claro dos terroristas: com ou sem estado de emergência, para nós não importa. Vocês não conseguem nos controlar.

Até que ponto pode se esperar uma reação dura da França?

Acho que pode ser dito neste momento que é quase impossível para o governo francês arcar com outra ação militar no Oriente Médio. Não devemos ignorar o fato de que, desde os atentados de novembro do ano passado, mais de dez mil membros das Forças Armadas do país estão sendo empregados dentro da própria França, na luta contra o terrorismo internacional. Isso naturalmente enfraquece Paris com vista à sua capacidade de ação em termos de política externa, ou seja, quanto ao envio de tropas adicionais para a guerra na Síria e no Iraque.