Por que a STF acertou ao tirar de Moro processos sobre Lula. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 25 de abril de 2018 às 8:07
Moro se comporta como parte, não juiz: ele escolheu julgar Lula, para condená-lo

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A 2a.Turma do S.T.F. deu um “grande passo” para reconhecer a incompetência da 13a. Vara Federal de Curitiba para processar e julgar os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados e consumados em São Paulo.

Neste sentido, venho me batendo há mais de um ano. Vejam o estudo abaixo:

CASOS LULA. TRÊS VEZES INCOMPETENTE. CRIMES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS EM SÃO PAULO SÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL DE SÃO PAULO, NOS TERMOS DO ART.70 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO.

Lanço aqui um DESAFIO para os leigos em Direito e principalmente para qualquer Procurador da República sobre a alegada existência de conexão que prorrogue a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula e que teriam sido praticados em São Paulo, todos da competência da Justiça Estadual. Vamos lá:

Que hipótese de conexão do artigo 76 do Cod. Proc. Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito no Paraná, e os crimes atribuídos ao ex-presidente Lula, que teriam sido praticados em São Paulo ???

Código de Processo Penal:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão: (na verdade, trata-se de possibilidade de modificação da competência)

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

O juiz Sérgio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos contra o ex-presidente Lula são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.

A Constituição da República dispõe, expressamente, em seu artigo 5, que:
” Inciso LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Trata-se pois de incompetência absoluta, que acarreta nulidade absoluta de todo os três processos, na medida em que estamos diante de um direito fundamental tutelado pela Constituição Federal.

Ressalto que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes. A prevenção não é critério de modificação da competência!

Como uma incompetência tão flagrante e acintosa pode perdurar em um país sério ???

Note-se que aqui sequer estamos pondo em questão a própria competência (ou incompetência) do juiz Sérgio Moro para aqueles processos originários, que teriam “atraído” os demais crimes para a 13ª Vara Federal de Curitiba.

De qualquer forma, é importante notar, tendo em vista o art.109 da Constituição Federal, que:

a) A Petrobrás é uma sociedade empresária de direito privado (economia mista);

b) A competência da justiça federal é prevista, taxativamente, na Constituição Federal, que leva em consideração o titular do bem jurídico violado pelo delito e não a qualidade do seu sujeito ativo; Aqui, o importante é o bem jurídico atingido pelo crime e não a qualidade do autor do delito.

c) A prevenção não é fator de modificação ou prorrogação de competência, mas sim de fixação entre foros ou juízos igualmente competentes.

A competência da Justiça Federal leva em consideração o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora e não em razão de o agente do delito ser ou não um funcionário público federal.

Importante notar que, estando tratada na Constituição Federal, a competência da justiça federal não pode ser modificada pelas regras de competência do Cod.Proc.Penal (seja para sua ampliação, seja para ser reduzida). Totalmente equivocada a súmula 122 do S.T.J., conforme demonstra o professor Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua consagrada obra “Processo Penal”, 35a., edição, Saraiva)

Relevante salientar ainda que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos.

Ademais, vale a pena repetir o que acabamos de dizer acima: a conexão pode modificar a competência de foro ou juízo, mas não a competência de justiça, prevista na própria Constituição Federal. O Código de Processo Penal não pode ampliar e nem derrogar a competência prevista na Lei Maior, salvo quando ela expressamente o admite, como nos crimes eleitorais, pois ela menciona expressamente os “crimes eleitorais e comuns conexos”.

Por derradeiro, a conexão pode modificar a competência, como acima dito, para que haja unidade de processo e julgamento, evitando dispersão da prova e sentença contraditórias.

(Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo: …)

No caso em tela, que contradição poderia haver entre a sentença do caso originário do doleiro e a sentença relativa ao Triplex do ex-presidente Lula??? Fica aqui mais um desafio: apontem uma possível contradição entre as duas sentenças.

De qualquer sorte, se um dos processos já foi julgado, não haverá por que modificar a competência originária, pois não haverá mais possibilidade de um só processo e uma só sentença.

Neste caso, diz a lei que eventual unificação e soma de penas se fará no juízo das execuções penais. Vejam o que diz o art.82: “Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas)”.

Saliento, mais uma vez, que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que já sejam todos genuinamente competentes. Vale dizer, a prevenção não modifica a competência, mas “desempata” entre foros ou juízos igualmente competentes.

Assim, se um determinado órgão jurisdicional pratica uma medida cautelar sem competência para tal, ele não passa a ser competente para as infrações conexas. A sua incompetência originária não é sanada, mas sim ampliada.

A toda evidência, a regra do art.70 do Cod. Proc. Penal está sendo desconsiderada de forma absurda. Tal dispositivo legal é expresso ao dizer, de forma cogente, que a competência de foro é fixada pelo lugar em que se consumou a infração penal e, no caso de tentativa, pelo lugar em que foi praticado o último ato de execução.

Destarte, não havendo conexão entre infrações praticadas em foros distintos ou não havendo mais a possibilidade de um só processo e um só julgamento, não há justificativa para a modificação da competência do foro originário.

Desta forma, verifica-se que o ex-presidente Lula não está sendo julgado por um órgão jurisdicional competente. Na realidade, o juiz Sérgio Moro escolheu o seu réu e, com o auxílio entusiasta do Ministério Público Federal, foi buscar um determinado contexto insólito para “pinçar” acusações contra o seu “queridinho réu”.

Vale dizer, a garantia do “juiz natural” foi totalmente postergada.

Por mais incrível que possa parecer, a 13a.Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba passou a ser uma espécie de juízo universal de todos os crimes que, de alguma forma, possam ter causado prejuízo à Petrobrás, que é uma pessoa jurídica de Direito Privado (economia mista).

A toda evidência, o sujeito passivo das infrações penais não é critério para concentrar competência de crimes diversos e consumados em lugares distintos. Estamos diante de clara nulidade absoluta dos três processos em que o ex-presidente Lula figura como réu.

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Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual Penal pela Uerj, Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.