Já é possível fazer uma primeira análise das manifestações realizadas hoje em várias cidades, em favor do impeachment de Jair Bolsonaro.
Elas floparam. Ou seja, juntaram pouca gente.
E floparam porque tiveram uma mancha de origem, indelével, que não foi possível apagar ou diluir: foram organizadas pelo MBL, um movimento ultraliberal que ganhou dimensão nos protestos em favor do impeachment de Dilma Rousseff.
O impeachment de Dilma Rousseff foi um dos golpes mais nojentos da história brasileira.
Não é possível apagar isso. Ah, mas Lula está se reunindo com golpistas.
Sim, mas as articulações de Lula são explicitamente eleitorais.
O movimento social não é ingênuo. Sabe dos riscos desses movimentos de Lula, mas justamente por não ser ingênuo entende que é um risco necessário e calculado.
Mas conversa eleitoral é muito diferente de organizar manifestações populares, que é uma coisa infinitamente mais sensível.
Organizar manifestação necessita muita sensibilidade, porque você tem que convencer as pessoas a irem por conta própria. Pra isso, é preciso um delicado trabalho de persuasão política.
O MBL não apenas apoiou o golpe, e depois se aliou a Michel Temer. Ele também apoiou Bolsonaro.
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Hoje o MBL tenta mudar sua imagem.
Ótimo. É louvável se afastar de Bolsonaro.
A maioria dos militantes de esquerda não são sectários, e os movimentos sociais já sinalizaram sua disposição de realizar uma grande manifestação nos próximos dias que reúnam os mais diferentes partidos, movimentos e campos ideológicos.
Mas é preciso que a construção desse movimento seja inteiramente democrática.
Manifestação é coisa séria. Os conceitos e objetivos precisam ser discutidos por um coletivo de movimentos organizados.
A experiência histórica já mostrou o risco que é entregar manifestações à “espontaneidade” das massas.
Em geral, elas acabam lideradas por oportunistas, inclusive ligados ao grande capital. As “jornadas de junho de 2013”, origem de movimentos como o “Vem pra Rua”, liderado por operadores de mercado financeiro, não nos deixam mentir.
Pior ainda seria entregar as manifestações populares à coordenação de pequenos e oportunistas movimentos liberais de orientação conservadora, como o MBL.
O movimento Fora Bolsonaro precisa ser hegemonizado pelos movimentos sociais progressistas, pela razão simples de que são movimentos democráticos, organizados e com legitimidade social.
Não se trata aqui de defender hegemonia de algum partido.
A hegemonia é dos movimentos sociais. E isso não se trata de “gosto” de algum intelectual. Apenas os movimentos sociais tem o prestígio político necessário para levar as massas às ruas. Ponto.
Para vencer Bolsonaro, portanto, é preciso respeitar o movimento social organizado, que é democrático e, repito, já sinalizou a disposição de sentar à mesa com qualquer força política interessada em democracia. Mas é para conversar, não para se submeter.
O movimento social está disposto a conversar.
Agora falta ao campo liberal e à direita “democrática” que também façam um gesto de humildade, de que estão dispostos a defender um programa de desenvolvimento focado no combate à pobreza e à desigualdade.
Se o fizerem, será muito mais fácil organizar atos coletivos que tenham a participação do movimento social.
Publicado originalmente no ‘O Cafezinho’
Por Miguel do Rosário