André Valadão é o chefe da Igreja Batista da Lagoinha – além de martírio de ouvidos humanos como cantor gospel. Sempre dá um jeito de frequentar o noticiário, seja pela pregação fundamentalista, pela difusão de fake news, pelos chiliques de homofobia, pela ostentação de riqueza ou pela ligação de carne e unha com o deputado Nikolas Ferreira, que também sempre está nos noticiários pela pregação fundamentalista, pela difusão de fake news etc.
Agora, Valadão está causando com um vídeo em que instrui seu rebanho para que não deixe que os filhos frequentem universidades. Pois eu digo: o pastor está certo (do ponto de vista dele, é claro).
Ele diz que é melhor ver um filho “vender picolé na garagem” do que “ir para o inferno”. A cereja do bolo, claro, é a preocupação com as filhas mulheres:
“Criou sua filha para quê? Para virar uma vagabunda? Ou você criou ela para ser uma mulher santa, uma mulher digna de família, cheia de Deus? Ah, ela tem um diploma e é rodada, é doida”.
Pastor André Valadão aconselha fiéis a não mandarem filhos à faculdade: "Vai vender picolé"
E ainda sugeriu que as mulheres "viram vagabundas" ao ingressarem na universidade pic.twitter.com/HyXEgq9jkg
— Alfinetei (@ALFINETEI) June 19, 2024
A verdade é que a preocupação dos fundamentalistas com a universidade não é desprovida de sentido. Não por acaso, a campanha contra a educação em geral e contra a universidade em particular se radicalizou conforme políticas governamentais foram ampliando o acesso de jovens mais pobres e das periferias a estes espaços.
Na sala de aula, na leitura das bibliografias, na convivência formal e informal nos diferentes espaços dos campi, esses jovens têm acesso a ferramentas que proporcionam um escrutínio crítico sobre os dogmas e tradições que aprenderam em casa ou nas igrejas. Tornam-se mais capazes de questionar as hierarquias já estabelecidas, o discurso meritocrático, os estereótipos de gênero, as formas de dominação e de exploração presentes na sociedade. Ganham instrumentos que permitem que pensem de maneira mais autônoma.
Isso não quer dizer que todo mundo que passa por uma universidade se torna uma pessoa esclarecida ou progressista. Basta olhar para os lados para ver isso. Mas, sem dúvida, ali se fornecem recursos – que podem ou não ser usados – para uma maior autonomia intelectual e abertura de horizontes.
É por isso que a universidade incomoda, principalmente quando essas ferramentas começam a ser disponibilizadas para pessoas que deveriam estar condenadas a obedecer – e que, além de tudo, podem se tornar de difusoras de conhecimento em suas vizinhanças.
Valadão foi muito criticado por desprezar o potencial que a formação universitária tem para a mobilidade social daqueles que desfrutam dela. Para ele, de fato, a opção nunca foi vender picolé na garagem ou cursar uma graduação. Afinal, herdou a igreja de seu pai. Um negócio muito lucrativo, como se vê, uma vez que ele facilmente pode pregar no culto vestindo trajes que somam mais do que o salário anual de um trabalhador.
E tanta prosperidade depende centralmente da anulação da capacidade crítica daqueles cuja credulidade ele explora. Num caso assim, a educação sempre é inimiga.
Mas vamos ser honestos: este repulso à universidade também se encontra em setores a esquerda. São influencers que usam “acadêmico” como ofensa e parecem envolvidos numa batalha sem fim contra o conhecimento produzido no meio universitário.
É verdade: a universidade não vai fazer a revolução. Nem é esse seu papel. Mas ela pode contribuir com a disseminação de visões críticas, com a desnaturalização das estruturas de opressão vigentes, com o impulsionamento de um pensamento questionador e autônomo.
É por isso, claro, que ela encontra o ódio dos chefes de igrejinhas, qualquer que seja o tipo delas.
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