Publicado na BBC Brasil.
O bengali Ananta Bijoy Das, de 33 anos, caminhava rumo ao trabalho na terça-feira quando foi atacado por um grupo de homens mascarados e armados com facões na cidade de Sylhet, em Bangladesh.
Ele é o terceiro blogueiro ateu a ser assassinado desde o início do ano.
Bangladesh é um país oficialmente secular, mas a maioria de seus 160 milhões de habitantes é muçulmana.
Das escrevia para o Mona Mukto (“Mente livre”, em tradução livre), um site que propaga o racionalismo e se opõe ao fundamentalismo.
A página foi fundada pelo também blogueiro Avijit Roy, que teve o mesmo destino que Das: Roy foi assassinado a facadas quando voltava para casa a pé com sua esposa de uma feira do livro na capital Daca.
Pouco antes de sua morte, Roy, que nasceu em Bangladesh, mas tinha nacionalidade americana, havia criticado a intolerância religiosa no país.
Sua esposa perdeu um dedo no mesmo ataque.
Em março deste ano, outro blogueiro ─ Washiqur Rahman ─ também foi morto na capital do país.
‘Padrão similar’
“Todos os assassinatos têm um padrão similar de ataque”, afirma Sabier Mustafá, editor do serviço Bengali da BBC.
Mustafá acredita que os autores são parte de uma “rede de inteligência” e que os ataques não são arbitrários, mas bem planejados.
Os blogueiros não eram conhecidos do grande público, e Washiqur, por exemplo, escrevia usando um pseudônimo, para evitar ser encontrado.
Já Das poderia ser considerado um “ativista contra a religião”, que, muitas vezes, fez comentários contrários ao Islã.
Em entrevista à BBC, Sara Hossain, advogada e ativista de direitos humanos em Daca, Das e Roy estavam em uma lista de potenciais alvos de grupos extremistas.
“Os dois sempre defenderam abertamente a liberdade de expressão e haviam escrito, de forma muito explícita, que se consideravam ateus”, diz Hossain.
A polícia deteve um islamista pelo assassinato de Roy e dois estudantes de uma madrassa (escola islâmica) pela morte de Washiqur.
Embora o braço da Al-Qaeda no subcontinente indiano tenha reivindicado a autoria do ataque a Roy, autoridades acreditam que a morte de Mustafa pode ter sido uma mera estratégia para o grupo atrair os holofotes da mídia.
Por trás dos ataques, em qualquer caso, estariam “grupos islâmicos radicais muito determinados a atacar pessoas que os desafiam em redes sociais, a fim de silenciá-las usando táticas de intimidação”, opina Mustafa.
O ataque contra Roy gerou indignação entre estudantes e ativistas, que foram às ruas protestar contra o que chamaram de negligência das autoridades em proteger os críticos do fanatismo religioso.
Visto sueco
A filial sueca da PEN ─ uma associação internacional que promove a literatura e a liberdade de expressão ─ revelou que a Embaixada da Suécia em Daca tinha se recusado a conceder um visto a Das para participar de um evento no país, onde ele falaria sobre a liberdade de imprensa, disse o especialista em assuntos sociais da BBC, John McManus.
Segundo Henrik Enbohm McManus, secretário internacional da PEN, a embaixada indeferiu o pedido por suspeitar que Das pudesse tentar permanecer na Europa.
A instituição estava apelando da decisão quando o blogueiro foi atacado e morto.
A União Internacional Humanista e Ética (IHEU, na sigla em inglês) disse que havia sido contatada por Das após os assassinatos de Avijit e Washiqur.
“Sabendo que ele corria risco de morte, recomendamos que tentasse sair do perigo”, informou a IHEU.
Por meio de um comunicado, a entidade disse que os assassinatos de blogueiros representam uma “perda devastadora” para as comunidades humanistas e laicas no sul da Ásia e em todo o mundo.
A IHEU condenou duramente o assassinato de Das e o que chamou de “fracasso das autoridades de Bangladesh para fazer justiça a essas pessoas e acabar com as redes que estão por trás dessa série de assassinatos.”
“Seja por apatia, incompetência ou a intimidação, a polícia e o governo não estão protegendo escritores, pensadores e humanistas, leigos e ativistas seculares”, disse a entidade.
O governo de Bangladesh não condenou publicamente nenhum dos três assassinatos deste ano e, segundo Mustafa, da BBC, se mostra “pouco disposto” para resolver o problema.
“Há o temor de que, posicionando-se em prol dos ateus assassinados, o governo acabe criando para si um problema com os muçulmanos radicais”, explica o jornalista.