Por que evangélicos se chocam com “ideologia de gênero” e não com pastores picaretas. Por Hermes Fernandes

Atualizado em 4 de janeiro de 2019 às 7:30
Damares Alves

Sempre que deparo com um tema que esteja sendo execrado pela bancada evangélica, trato de colocar a barba de molho.

Foi assim com a PL 122 e tem sido assim com o Plano Nacional de Educação (PNE), que trata das diretrizes para a educação no País. Pastores e padres engrossaram o coro que levanta suspeitas acerca do que tem sido chamado por eles de “ideologia de gênero”.

Boatos espalhados pelas redes sociais afirmam que alunos gays poderão usar banheiros femininos, enquanto lésbicas poderão frequentar banheiros masculinos. Que pai ou mãe se sentiria confortável com uma notícia dessas?

Deixando de lado as mentiras propagadas pelos que se dizem porta-vozes e defensores dos valores da família, o fato é que o novo PNE tem vinte metas e está calcado na Lei 13.005/2014 com catorze artigos. Nenhuma meta e nenhum artigo se referem à “ideologia de gênero”. Repito, nenhum.

A única vez em que a palavra “sexual” surge no texto é na Meta de número sete, cujo objetivo é o de fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades. A Meta 7 apresenta, ao todo, 36 estratégias. A palavra “sexual” só aparece na estratégia 23, conforme transcrita abaixo:

“Garantir políticas de combate à violência na escola, inclusive pelo desenvolvimento de ações destinadas à capacitação de educadores para detecção dos sinais de suas causas, como a violência doméstica e sexual, favorecendo a adoção das providências adequadas para promover a construção da cultura de paz e um ambiente escolar dotado de segurança para a comunidade.”

Repare que não se lê absolutamente nada sobre uma tal “Ideologia de Gêneros”, tampouco se diz que o Estado, por meio da escola, induziria as crianças a seguir alguma orientação sexual, seja hétero, homossexual, bissexual ou transgênero, como tem sido amplamente divulgado nas redes sociais.

O que é lamentável é que as pessoas entram na pilha dos agitadores sem ao menos buscar se inteirar sobre o assunto. “Querem destruir a família!” vociferam, provocando uma avalanche de revolta infundada.

Segundo eles, a tal “Ideologia de Gênero” seria onda ideológica que se alastraria nacionalmente, por meio dos planos estaduais e municipais de educação com o afã de doutrinar as crianças, convencendo-as de que elas não teriam formação sexual definida, que meninos e meninas poderiam escolher sua identidade de gênero e orientação sexual.

Espalharam até que as crianças seriam estimuladas sexualmente através da masturbação, e fazendo-as aceitarem como normais práticas como a pedofilia, o incesto, a zoofilia, a necrofilia etc.

Segundo os oponentes da PNE, a tal “ideologia de gênero” seria uma imposição totalitária, ditatorial, visando a implementação de uma sociedade marxista, ateia, perversa, iníqua, através de conceitos falaciosos, antinaturais e esdrúxulos que adoeceriam a vida humana, tornando-a numa aberração imoral.

Que vergonha! Por que usar mentiras para convencer a sociedade a não aceitar um plano de educação que visa melhorar a qualidade do ensino no País? O que estaria por trás disso? Que interesses sórdidos isso esconderia?

Será que tem a ver com o fato de que o plano pretenda oferecer educação de tempo integral para pelo menos 25% dos alunos do ensino básico em pelo menos 50% das escolas públicas? Que prejuízo isso poderia representar para as escolas confessionais católicas, que geralmente custam o “olho da cara”?

E quanto a garantir que todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com necessidades especiais tenham acesso à educação básica com atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino? Com que interesse isso esbarraria?

Quanto custa garantir educação a um portador de necessidades especiais hoje em dia?

E, por fim, uma das metas que mais desafiam certos interesses é garantir que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) seja usado na educação pública. Adoraria saber quantos deputados das bancadas religiosas foram bancados por grandes conglomerados de colégios particulares.

Para estes, melhor seria que o ensino público seguisse sucateado, de péssima qualidade, para que os  pais se vissem obrigados a recorrerem ao ensino privado.

As diretrizes do Plano Nacional de Educação, bem como as propostas dos planos estaduais e municipais apontam numa só direção: menos violência, mais tolerância e mais respeito, inclusive à diversidade humana, tanto étnica, quanto sexual.