Por Ana Pimentel, deputada federal pelo PT-MG, médica defensora do SUS, professora universitária e pesquisadora de saúde pública
Depois de seis anos de notícias preocupantes sobre o Brasil, durante o governo golpista de Michel Temer e o mandato de Jair Bolsonaro, que foi uma sequência de retrocessos, não surpreende que a população tenda a esperar sempre o pior da máquina pública.
Quando, na semana passada, foi anunciado que o apresentador Fausto Silva estava esperando um transplante de coração, logo espalharam-se fake news de que ele, por ser famoso e rico, estaria “furando a fila”, isto é, tirando o lugar de alguém que, ao contrário dele, por razões financeiras, dependia integralmente do Sistema Único de Saúde (SUS) para cuidar da própria saúde.
Sabemos a estratégia baixa por trás deste argumento falso de “furar fila”: desacreditar a eficácia do SUS, um modelo de atendimento universal e gratuito de saúde elogiado e copiado universalmente. Vimos isso acontecer sistematicamente durante a pandemia de Covid-19, com ataques ao SUS e à vacina capitaneados por ninguém menos que o presidente do Brasil naquele (triste) momento.
A falsa informação de que Faustão teria sido priorizado na espera por um novo coração por ser uma celebridade é uma tentativa de desmerecer a saúde pública e o presidente Lula, que mesmo antes da campanha presidencial reafirmava o SUS como um dos pilares de sustentação do Estado brasileiro ao cuidar de forma universal de seu bem mais precioso: suas população.
Atualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 65 mil brasileiros estão à espera por um transplante no país. Destes, cerca de 380 aguardam por um coração. O Brasil tem uma das maiores filas do mundo, mas também tem o maior sistema público de transplantes. Sim, há gargalos: é preciso aumentar a conscientização sobre a doação, investir na capacitação de equipes hospitalares e mesmo de hospitais que possam fazer os procedimentos e reduzir desigualdades, como a diferença do tempo de espera entre um estado e outro (justamente por haver disparidade de instituições e profissionais habilitados, por exemplo).
Além disso, é necessário fazer algo que é outra pedra fundamental do governo Lula, investimento na educação, para ampliar os recursos para a produção de conhecimento e pesquisa científica sobre o tema.
Defender o SUS é defender que cada cidadão ou cidadã tenha chances iguais de receber um transplante de órgão caso necessite dele. E isso não se refere apenas ao transplante em si. Os pacientes recebem toda a assistência, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante, pelo sistema único. A maioria dos planos particulares de saúde não cobre este tipo de tratamento, cujo custo pode variar de R$ 4 mil a R$ 70 mil.
E defender o SUS é, também, defender também um acesso a saúde que além de universal e gratuito é marcado pela lisura e transparência. Qualquer pessoa pode acompanhar a lista única de espera por órgãos e ter acesso aos critérios de prioridade pelo site do Sistema Nacional de Transplantes ou das secretarias estaduais de saúde. É saber que o apresentador Fausto Silva, que passa bem após a cirurgia, não furou a fila do transplante, simplesmente porque nenhuma pessoa pode fazer isso no Brasil.
O Ministério da Saúde informou que pacientes em estado crítico de saúde como o do apresentador, que tinha insuficiência cardíaca, são atendidos com prioridade, em razão de sua condição clínica. Além disso, a fila é única: vale tanto para os pacientes do SUS quanto para os da rede privada. Com isso, a ordem de chamada depende de critérios técnicos, como tipo sanguíneo, peso, altura e compatibilidade genética.
Quando os critérios técnicos são semelhantes, a ordem de “chegada” na fila funciona como critério de desempate. Não importa se o paciente é o Faustão ou qualquer outro brasileiro ou brasileira.
Atacar a fila de transplantes de órgãos ou a universalidade do SUS é uma tentativa de enfraquecer não apenas o governo Lula, mas ir contra o projeto de país que estamos (re) construindo, que é ancorado, invariavelmente, na democracia e na luta permanente por igualdade de direitos.