Por que fiz um filme de terror no Brasil sem lei de incentivo. Por M.M. Izidoro

Atualizado em 11 de novembro de 2015 às 14:10

 

Muita gente anda me perguntando se não foi difícil fazer um filme no Brasil sem lei de incentivo. Eu digo que não. Fazer filme é difícil de qualquer jeito. Viver é difícil. Não dar aquele match no Tinder é difícil. No fim das contas, as suas escolhas fazem a diferença se vai ser mais ou menos difícil.

Eu escolhi fazer um filme sem lei de incentivo no Brasil porque eu queria ter essa escolha, que parece que desde quando comecei a trabalhar na área parece que não existe. A escolha de fazer o filme que eu quero fazer, com as pessoas que eu quero, sem ter de me encaixar a alguma linha de edital ou a linha de marketing de alguma multinacional que põe seu dinheiro de impostos para a diretoria de marketing cuidar.

Olha, eu não sou contra nenhuma lei de incentivo. Me mostra algum lugar do mundo que faz filme sem apoio do governo que eu pago um sorvete. Para o tamanho e a importância que os bens de consumo culturais têm, o apoio estatal é imprescindível.

Eu adoraria ganhar um edital e poder trabalhar no meu próximo filme ou série mais tranquilo. A diferença para mim é que, como nos mercados mais consolidados, esse apoio governamental vem para complementar a produção e não banca-la integralmente.

Particularmente, eu sou muito fã da Ancine, a Agência Nacional do Cinema. Para quem não sabe, é o órgão oficial que regula a indústria audiovisual no Brasil. Dos filmes até os comerciais, tudo passa por ela. Eu sou muito próximo de algumas pessoas que trabalham lá e eu sei que eles têm idéias incríveis para o futuro da industria audiovisual brasileira.

Algumas delas já estão em vigor há algum tempo. O Fundo Setorial do Audiovisual, um fundo de investimento criado a partir de tributos específicos da própria industria do Audiovisual, é algo de gênio. As linhas de editais estão cada vez mais abrangentes e olhando para todos os lados. Tanto o lado da arte, como o lado do mercado.

E é aí que eu quero chegar.

Na minha visão, a partir do momento em que eu tenho dezenas (ou muitas vezes centenas) de pessoas trabalhando e estou gastando milhares (ou milhões) de unidades monetárias para fazer alguma coisa, isso está muito mais próximo de ser uma indústria do que arte por si só.

Da mesma maneira que os iPhones estão no acervo do MoMA em Nova York como lindos objetos de design, o filme também de ser isso. Também tem de ser bonito e artístico. Mas, no final das contas, ele é um produto. Que nós produtores audiovisuais temos uma responsabilidade imensa ao cria-lo. Pois estamos empregando uma porção de pessoas e criando um produto que pode alcançar uma outra porção gigante.

Com isso tudo na mente, quase 12 anos atrás nasceu a semente do que viraria um projeto chamado Urbania. Um projeto que visa reimaginar alguns personagens do folclore e do imaginário popular brasileiro para uma série de obras audiovisuais. De filmes a séries de tevê. De livros a graphic novels.

Isso tudo com a idéia de fazer coisas não só boas, mas coisas legais. Afinal, qual a porcentagem de pessoas que estão trabalhando nessa área por que viram um filme iraniano (que eu adoro. Kiarostami FTW!) contra quem viu um “Star Wars” ou um “De Volta Para o Futuro”?

Demorou dez anos para eu finalmente conseguir plantar a primeira semente desse projeto. Ela se chama “O Diabo Mora Aqui” e é um longa metragem de terror. O filme conta a clássica historia de adolescentes que vão para uma fazenda em um fim de semana e acabam no meio de uma confusão diabólica.

No nosso caso, não é o Jason ou o Freddy Kruger, mas sim algumas das nossas lendas urbanas como o Negrinho do Pastoreio e o Bebê Diabo do ABC. O filme demorou dez anos para ser feito porque simplesmente nenhuma marca queria comprar a briga de se associar a um filme de gênero brasileiro.

Ainda mais com um titulo desses e com uma história que mexe com algumas feridas como a escravidão e temas polêmicos como as religiões afrobrasileiras.

Acabei optando por fazer o filme mesmo assim e fui estudar o mercado audiovisual mundial. Fui pra algumas das maiores feiras e festivais do mundo como Berlin e Cannes. Conheci produtores, diretores e agentes de venda. No final de dois anos de investimentos pessoais, eu tinha números e um plano de negócios que aproximavam muito meu filme de uma start-up.

A escolha do cinema de gênero para isso também não foi à toa. Tradicionalmente, o cinema de gênero (terror, fantasia, super herois, etc), junto com as animações, é o tipo de produto mais exportável. Afinal, para o público jovem, é indiferente o ator ou o diretor que fazem o filme, mas sim se ele vai causar medo ou não. Ou você foi ver os filmes do Freddy Kruger porque o Robert Hedlum é um ator incrível?

 

O cineasta M.M. Izidoro
O cineasta M.M. Izidoro

 

O passo seguinte foi achar os investidores. Achei alguns empresários do meio das comunicações que curtiram a idéia e toparam entrar comigo nessa loucura. Fiz um orçamento MUITO abaixo da média do mercado para conseguir dar retorno para esses caras e assim eles se animarem e toparem fazerem o próximo.

Além disso, para minha surpresa o pessoal da Cervejaria Conti topou fazer um product placement no filme com sua vodka Barkov. Dinheiro limpo, na mão. Sem lei de incentivo nenhuma.

Com a grana e história, faltava a equipe. Para isso, eu queria dar a chance para uma molecada, como eu queria que algueém tivesse me dado anos atrás. Eu encontrei uma turminha que só faz filme de gênero e que fez uma websérie e um curta que me chamaram a atenção.

A websérie chama “Nerd Of the Dead” e o curta se chama “M is for Mailbox”, filme que participou de uma competição internacional muito importante e acabou em terceiro lugar. Assim nossos diretores Dante Vescio e Rodrigo Gasparini, além do nosso roteirista Rafael Baliú, entraram no projeto.

Com tudo no lugar, achamos uma fazendo colonial no interior de São Paulo da propriedade da família do nosso assistente de direção. Com a grana e a equipe a gente partiu para trabalhar o roteiro para adequar ele para a nossa realidade.

Tínhamos R$ 250 000 e 17 dias para fazer o filme. Fazer uma sequência do “Senhor dos Anéis” estava fora dos planos. Mas tínhamos de fazer esse filme. Tínhamos de fazer um filme legal. Ficamos quase um ano nesse processo e no meio do caminho fomos arrematando alguns dos maiores talentos dessa nova geração de cineastas, como nosso fotografo Kauê Zilli, nossa designer de produção Mônica Palazzo, o editor Daniel Weber, os produtores Renan Lima, Vinicius Gregoraci, Eduardo Kissajikian e Guilherme Pinheiro, o compositor Pedro Santiago, os parceiros Loc.All, D.Cine e Zumbi Post e todas as outras dezenas de pessoas que tornaram possível fazer esse filme.

Agora a porteira está aberta. Nosso filme está fazendo parte de uma nova onda de filmes de gênero que estão sendo feitos na unha e estão ganhando o mundo. Trinta anos depois do auge de um dos nossos maiores cineastas, José Mojica Marins, finalmente estamos conseguindo romper as barreiras e fazer aqueles filmes que molecada vai curtir no cinema e me dá um orgulho tremendo de ser uma pequena parte disso.

Agora é lançar o filme aqui no Brasil, o que deve acontecer no segundo semestre de 2016 e começar a preparar a próxima.

Que, com lei de incentivo ou não, vai acontecer.