Publicado originalmente em A Confeitaria Política de Gilberto Pão Doce
POR RICARDO MIRANDA, jornalista
“Ela olha para ela em vez de olhar para ti, por isso não te conhece. Durante as duas ou três pequenas explosões de paixão que ela se permitiu a teu favor, ela, por um grande esforço de imaginação, viu em ti o herói dos seus sonhos, e não tu mesmo como realmente és”.
Do romance de Stendhal “Le Rouge et le Noir” (1830), quando o príncipe Korasoff, falando a Julien Sorel, o protagonista, refere-se a sua narcísica amada Mathilde.
Bater palma (não digo panela, que é franquia dos coxinhas) para a prisão do ex-presidente Michel “Golpista” Temer e para a de Moreira “Gato Angorá” Franco, entre outras peças do esquema que parece ter faturado com as obras de Angra 3, é fácil. Não só fácil, prazeroso. Quem gritou “Fora Temer” desde que o postiço – como diria Fernando Morais – conspirou para derrubar Dilma Rousseff e assumir uma transição catastrófica até a prisão de Lula e a ascensão do governo Bolsonaro, como eu, quer mais é ver Temer em cana. Ele, Moreira, Geddel, Padilha, Jucá, Leonardo Picciani, Henrique Eduardo Alves, a turma toda. Não vou nem falar dos tucanos – o partido impermeável a prisões, exceto de Betos Richas da vida. O caminho fácil é ir na janela e gritar: “Eu avisei”. Mas Temer, que logo estará solto, não deveria estar preso. Nem Moreira. Suas prisões, como foi a de Lula e outros dirigentes petistas, obedeceu à lógica da República da Lava Jato, convertida, no lugar da imprensa, em quarto poder. Provas circunstanciais, delatores encagaçados, ilações irresponsáveis, e a caneta pra assinar as prisões e buscas e apreensões. A Lava Jato, que já foi de Moro e Dellagnol em Curitiba, não renasceu com Bretas, nem hoje, nem nunca. A prisão de Temer e Moreira é o troco da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, que melou a tentativa dos procuradores de garfar R$ 2,5 bilhões da Petrobras para criar o Comitê Sérgio Moro 2022, grana oriunda da estatal a título de penalidades aplicadas pelas autoridades americanas por danos a investidores nos Estados Unidos, e transferiu os crimes de caixa 2 para a Justiça Eleitoral.
Com o Congresso, mais especificamente com a Câmara, presidida por Rodrigo Maia, principal fiador da reforma da Previdência, a guerra é pessoal. E atinge, por tabela, o Executivo – mas o quarto poder não liga para isso. Evitando atear fogo às próprias vestes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rechaçou a “especulação” de políticos nos bastidores de que a decisão do juiz Marcelo Bretas de determinar as prisões de Temer e Moreira – que é sogro do parlamentar – seria uma espécie de “troco” ao Congresso. O “troco” seria resposta à troca de farpas entre Rodrigo Maia e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sobre o pacote anticorrupção enviado pelo ministro ao Congresso. Moro queria seu pacote como prioridade, junto com a reforma da Previdência – afinal ele precisa brilhar tanto quanto Paulo Guedes -, mas Maia colocou-a na caixinha de lembretes, o que irritou o ex-juiz ególatra que deseja substituir Bolsonaro em 2022. Quase monopolizadores das atenções e dos holofotes nos últimos cinco anos, os procuradores da República que formam a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba estavam na berlinda, mas a Lava Jato fluminense veio em seu auxílio. Nesse contexto, e só nele, entram as prisões de Temer, Moreira e cia. Foi um gesto político, como política foi a prisão de Lula, a caminho de completar um ano em abril. A diferença é que Temer será solto. Ou alguém duvida? Do fundo do coração, espero que ainda tenham em seu coração o sentimento impuro da vingança. Pela forma constrangedora como foram presos e exibidos aos caçadores de imagens e memes. Como disse Reinaldo Azevedo, na BandNews, o que a Lava Jato fez foi rosnar, arreganhar os dentes. Mas não tem tanta força mais para morder. A dentadura já não é a dos tempos de outrora – a pré-Moro na Justiça de Bolsonaro.
Bretas, como é o modus operandi da Lava Jato, confunde a pré-condição para prender alguém com a urgência da prisão em um processo ainda em curso. Do jeito que a coisa vai, se a Lava Jato não for contida, prende -se qualquer um. Eu. Você. Apenas porque podemos ser presos. Quem defende uma prisão arbitrária deve saber que está colocando seu pescoço na reta. A mesma arbitrariedade que levou Lula à cadeia para não ser presidente, somada aí uma a raiva fóbica do petismo, levou Temer à cadeia. A sucursal da Lava Jato no Rio, em comunicação com sua sede em Curitiba, quer, assim, encurralar Câmara, Supremo e manter-se como um poder paralelo. Para exibir a musculatura que quer manter, como se não percebesse que já começa a embarangar. Melhor os narcísicos procuradores começarem a se olhar no espelho – de lado. E não adianta encolher a pança.