PUBLICADO NO EMPÓRIO DO DIREITO
Pretendemos aqui refletir sobre que resultado prático se pode esperar da participação das Forças Armadas na repressão à criminalidade.
Lógico que não se pode satisfazer com um provável decréscimo, temporário, dos índices de criminalidade em decorrência da presença ostensiva do grande aparato militar e bélico, como em outras situações já ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Falamos de soluções e não de paliativos.
Vamos raciocinar, a partir da experiência do Rio de Janeiro. Partiremos de uma constatação evidente: os criminosos existem e são em grande número, espalhados por toda a nossa Região Metropolitana.
Por outro lado, parece que a preocupação maior da população e das forças de repressão do Estado é com os crime praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e com o tráfico de armas e entorpecentes.
Como reduzir drasticamente esta criminalidade?
Que alternativas poderiam ser consideradas, por mais absurdo que possa parecer? Vamos a elas:
1) As forças armadas exterminarem a maioria destes delinquentes. Nesta hipótese de genocídio, teríamos, em um futuro breve, uma nova “Comissão da Verdade”, malgrado o desgosto do general Villas Boas …
2) A grande maioria destes criminosos fugiria para outros Estados. Neste caso, o problema não seria resolvido, mas transferido para outras cidades e as Forças Armadas passariam a perseguir, incessantemente, as quadrilhas e os membros do chamado crime organizado (organizado, “pero no mucho”) …
3) Tudo ocorreria de forma normal e natural. Haveria algumas poucas prisões em flagrante (poucas, porque os traficantes não ficariam na posse das armas e dos entorpecentes quando as forças policiais entrassem na comunidade) e seriam instaurados vários dos intermináveis inquéritos policiais. Em alguns poucos, o Ministério Público teria prova suficiente para oferecer a sua acusação formal em juízo (denúncia) e seriam instaurados os morosos processos (nem todos os indiciados estariam presos, pois não lhes fora decretada a prisão cautelar e, em caso positivo, estariam foragidos). Em conclusão: após cerca de um ano e meio, estes poucos réus seriam condenados de forma definitiva.
Pergunta-se: sendo a terceira hipótese a única adequada ao nosso sistema jurídico e com alguma (e pouca) eficácia jurídica, estaria justificada a intervenção das Forças Armadas para dar uma maior eficácia ao sistema de justiça criminal, com algumas e demoradas condenações nos processos penais?
Ademais, a população sentirá algum efeito concreto ou prático deste imenso aparato bélico? Será que as forças armadas saberão (ou gostarão) de desempenhar o papel de investigadores para viabilizar as acusações do Ministério Público Estadual?
Enfim, julgo que pouco resultará de concreto e positivo desta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, sendo que os “danos colaterais” superarão, em muito, os parcos resultados em prol da pacificação da nossa sociedade.
A verdade é que uma sociedade estruturada de forma tão injusta terá de conviver, cada vez mais, com a criminalidade. O ataque aos sintomas desta “doença social” só é eficaz com a minoração das injustiças sociais, com educação e emprego, vale dizer, com vida digna para todos.
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Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj.