Conheci Sêneca pelo tio de meu amigo Fabio Hernandez. Era o filósofo predileto do homem sábio do interior, como Fabio descreve seu tio. Gostei das citações e fui ler mais. Apaixonei-me. Nunca tinha visto uma combinação tão sublime de forma e conteúdo: palavras inteligentes escritas com beleza. Logo entendi por que Montaigne, o filósofo francês que ressuscitou o estoicismo em seus clássicos Ensaios, disse que sem Sêneca seu livro seria uma sucessão de páginas em branco. Montaigne dedicou a Sêneca um capítulo comovedor, defendendo-o dos que afirmaram que ele não viveu como pregava em seus escritos.
Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) foi preceptor de Nero. No início do império deste, antes que degenerasse numa tirania sangrenta, Sêneca teve influência poderosamente positiva na vida romana. A seguir ele foi engolfado pelo que descreveu magistralmente como “perpétuo vai-e-vem de elevações e quedas”. A queda final veio com uma ordem do antigo discípulo para que se matasse. Sêneca, que escrevera com freqüência sobre a beleza serena e corajosa da morte de figuras como Sócrates e Catão, suicidou-se com uma bravura que nem seus inimigos ousaram negar. Como Sócrates, ele dedicou seus últimos momentos a dar ânimo aos amigos desesperados que o cercavam. Se é discutível se ele viveu como pregou, é inegável que na morte foi inteiramente fiel aos próprios preceitos.
Sêneca deve ser lido e relido aos poucos, com vagar. Na cama, sob um abajur, suas palavras confortam e podem trazer calor e luz em horas escuras e frias. Tenho sempre a meu lado o ensaio “Da Tranqüilidade da Alma”, parte de um volume da coleção Os pensadores, da Editora Abril. O grande teste dos escritos é sobreviver ao tempo. Sêneca é intensamente atual. Ele escreveu há quase 2 mil anos e, no entanto, suas sentenças tem um frescor que ao mesmo tempo inspira e arrebata.
No ensaio citado, admiro, particularmente, as reflexões sobre o estado de agitação em que parecemos estar condenados a viver. Sêneca começa por citar Demócrito, o filósofo grego que diante da miséria humana optava por rir em vez de chorar: “Quem quer viver com a alma tranqüila não deve ter muitas ocupações”. Num mundo em que as pessoas a um só tempo teclam no computador, falam ao telefone e comem sanduíche, eis uma frase que merece estudo. Estamos sempre estressados e, no entanto, quando paramos para ver quantas de nossas ações são realmente úteis e imperiosas, a resposta pode ser: poucas. Muitas vezes, nenhuma.
Sêneca tem uma definição espirituosa para as pessoas que estão sempre mendigando ocupações: “preguiça agitada”. As atividades inúteis a que nos entregamos, diz, lembram “as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem ao alto do troco e tornam a descer, para nada”. Muitas vezes, confesso, subo e desço meus troncos de árvores apenas pela dificuldade de ficar parado. Quando me vejo como uma formiga, ler Sêneca é igual a um beliscão. Não raro, a prova maior de sabedoria que podemos dar não está num ato majestoso ou numa locução eloqüente, mas sim em não fazer nada.
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