Por que Lula deve ir ao Anhangabaú dia 7 de setembro?
Publicado originalmente na coluna de Valerio Arcary
A coragem evita mais perigos que o medo.
Sabedoria popular portuguesa
Ainda há tempo da esquerda colocar em movimento todas sua militância, mobilizar todas as suas forças, convocar todas as lideranças, a começar pela confirmação da presença de Lula. Bolsonaro estará nas ruas no dia 7 de setembro, Doria deve estar presente na Paulista no ato convocado pelo MBL para o dia 12 de setembro. Mas Lula não. Por quê?
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A iminência de um fatídico 7 de setembro escancara os perigos da conjuntura. Uma parcela da esquerda, até entre militantes que abraçam uma perspectiva anticapitalista, tem se posicionado pela suspensão da ida às ruas na Jornada Nacional do Grito dos Excluídos pelo “Fora, Bolsonaro”.
Alguns argumentam que os atos deveriam ser adiados para eliminar a possibilidade de confrontos. Trata-se de um posicionamento tático. Inoportuno, indiscreto e até impróprio, mas tático. Equivocado, mas tático.
Há outra parcela que, tampouco, considera essencial ir às ruas no dia 7 de setembro, mas faz cálculos de uma natureza, completamente distinta, mais estratégica, e muito mais grave. Apoiam-se na premissa que defende que Bolsonaro é o inimigo ideal da esquerda como candidato em 2022, e devemos esperar. Esta é a estratégia do quietismo.
Comer o mingau pelas bordas para não queimar a língua é algo que todos aprendemos desde criança. É uma boa forma de educar a garotada a ter a disciplina da paciência, autocontenção, autodomínio. O tempo está do nosso lado porque ele esfria o mingau. Mas esta sabedoria popular não serve como bússola para a luta política.
O tempo nem sempre corre a nosso favor. Na luta de classes é necessário saber que há horas em que o melhor é manter posições, mas há outras em que é preciso saber recuar ou avançar. Depende das circunstâncias. Mas nunca se pode perder a questão central: o caminho para a luta pelo poder. A hora agora é de avançar.
Na direção do PT têm muito peso os que consideram que a situação política mudou, qualitativamente, desde que Lula recuperou os direitos políticos. Reconhecem que, desde então, foi se consolidando uma maioria social contra o governo. Sublinham, sobretudo, que a sequência de pesquisas indica que Lula disputaria as eleições na condição de favorito, desde que contra Bolsonaro.
Defendem que a orientação da esquerda não deve ser buscar o impeachment de Bolsonaro em 2021. Nessa chave de análise quem teria maior interesse no impeachment de Bolsonaro, neste momento, não seria a esquerda, mas a fração burguesa que aposta na construção de uma terceira via.
Este raciocínio, quase impublicável, comete quatro erros: (a) o primeiro é desprezar o impacto positivo colossal, objetivo e subjetivo, que o impeachment e Bolsonaro teria sobre os trabalhadores e a juventude, a base social da esquerda; (b) o segundo é ignorar a enorme, imensa, gigantesca confusão que o impeachment de Bolsonaro teria nas fileiras da burguesia brasileira que apoiou o golpe institucional de 2016; (c) o terceiro é um irrealista agigantamento do papel que Mourão e, sobretudo, do apoio que Doria ou qualquer outro candidatura poderia ter; (d) o quarto e mais importante é subestimar Bolsonaro, que mantém uma base social ainda em torno de 25%, e desconhecer que, por variadas razões econômico-sociais, ele pode se recuperar.
Não estão muito preocupados na direção do PT, por enquanto, porque sabem que o impeachment depende de um deslocamento na classe dominante que, até agora, não ocorreu. Sucessivos manifestos de diferentes setores e organizações da classe dominante indicam crescente preocupação, mas nenhum deles foi além.
A fórmula mais “elegante” de defesa da tática de quietismo é o argumento da guerra de posições: o desgaste paciente e ininterrupto do bolsonarismo para medir forças nas eleições de 2022. O problema é que esta posição é muito influente nos círculos dirigentes do PT mais próximos de Lula.
Em resumo: evitar uma medição de forças com Bolsonaro em 2021, porque seria o inimigo ideal em 2022. Assim se explica a ausência de Lula dos atos pelo Fora, Bolsonaro.
A análise de conjuntura tem como objetivo estudar os conflitos e explicar as oscilações na relação de forças sociais e políticas. Se a análise estiver correta, ela descobre quais são as tendências de evolução mais prováveis, e as previsões nos ajudam a um posicionamento mais favorável.
Mas a ideia de que a melhor tática para derrotar Bolsonaro seria o quietismo tem se demonstrado, mês após mês, um gravíssimo erro. Por várias razões, mas a mais importante é que desconsidera que Bolsonaro está enfraquecido, mas não derrotado. Na hora em que se fragiliza não deve ser poupado. Ao contrário, deve ser enfrentado, sem perdão, sem clemência, sem piedade.
Bolsonaro foi colocado na defensiva, mas ainda tem margem de manobra para reagir. Não é um cadáver político insepulto. E está reagindo. Quinze meses é muito tempo. Ele mesmo admitiu que seu destino é a prisão, a morte ou a vitória. A morte é um acidente da vida, portanto, imprevisível. Restam a derrota ou a vitória. Ao identificar a derrota com a prisão, Bolsonaro alertou sua corrente para o que está em jogo: tudo ou nada.
A agitação bolsonarista de tudo ou nada tem como objetivo incendiar sua base social para a necessidade de uma mobilização contrarrevolucionária permanente daqui até ás eleições. A movimentação do bolsonarismo pelas redes sociais entre policiais, evangélicos e setores das camadas médias exasperadas, e a decisão do próprio Bolsonaro de comparecer nos atos de São Paulo e Brasília sinaliza que as ameaças bonapartistas merecem ser levadas a sério.
A concentrações de 7 de setembro não serão o gatilho imediato de uma sublevação militar, quartelada ou golpe militar, mas são muito graves.
O governo de extrema-direita, liderado pela ala neofascista, sabe que não pode depender somente do escudo de proteção do centrão na Câmara dos Deputados para atravessar os quinze meses até as eleições de 2022. O governo Bolsonaro é “anormal”. Não pode depender somente do apoio nos limites da institucionalidade.
Há, hipoteticamente, excluída uma reeleição de Bolsonaro, três hipóteses para o seu destino: pode ser derrubado pelas mobilizações de rua, impedido pelas instituições por um giro da fração mais poderosa do PIB, ou derrotado por Lula nas eleições. Hoje por hoje, a terceira é mais provável, mas não se pode, nem se deve excluir nenhuma delas.
As três hipóteses não são iguais. Se derrubado por um impeachment impulsionado “a quente” pela mobilização de massas o bolsonarismo seria, também, atingido de forma irreversível.
Se impedido pelas instituições “a frio” por um deslocamento da fração mais forte do PIB o bolsonarismo sairia muito fragilizado, mas vivo. Se derrotado, eleitoralmente em 2022, mesmo por Lula, o bolsonarismo sobreviveria como a segunda corrente mais forte do país.
Eis o resumo da ópera. Bolsonaro vem perdendo força. Diminui sua audiência na classe dominante e perde na classe média, sofre com a avalanche de más notícias, e se protege na blindagem do centrão no Congresso. Mas sabe que não é o bastante. Por isso convoca, também, às ruas. Seu objetivo é mostrar os dentes. Sabe que não pode morder. Parece loucura, mas há um método. Quer intimidar.
É verdade que o medo é um sentimento poderoso, mas não é o mais forte. O impeachment de Bolsonaro continua colocado como possibilidade. O relógio da história ensina que ainda há tempo. Pode ser derrotado. Às ruas! Às ruas! Às ruas!