Por que Lula quer que a Justiça ignore HC apresentado por advogado sem procuração para defendê-lo. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 3 de maio de 2019 às 21:01
Lula na entrevista

Duas perguntas intrigam políticos do PT e advogados criminais:

  1. Por que um advogado do Piauí sem procuração nos autos  insiste em fazer com que o Supremo Tribunal Federal julgue um habeas corpus para libertar Lula ou transferi-lo para o regime semi aberto, mesmo contra a vontade de Lula.
  2. Por que Lula determinou a seus advogados constituídos que peçam ao Supremo que ignore esse HC?

Antes de responder à primeira pergunta, é preciso registrar que o advogado que apresentou o HC em favor de Lula, Daniel Oliveira, tem relevância profissional em seu Estado. Ele é advogado da deputada federal Rejane Dias, que é esposa do governador Wellington Dias, do PT. Rejane é investigada pela acusação de fraude em licitação.

Daniel foi também secretário de Justiça do Piauí até o início da semana, quando foi exonerado. Sua saída ocorreu depois que apresentou o HC, mas não teria nenhuma relação com o episódio.

A imprensa local informa que ele se envolveu em polêmicas (outras) e não conseguiu superar uma crise no setor penitenciário no Estado.

Daniel Oliveira é filiado ao PT e, também de acordo com a imprensa local, pretende disputar uma vaga na Câmara Municipal de Teresina no ano que vem.

A suposta intenção de se tornar vereador explicaria por que teve a iniciativa de apresentar o HC.

Colando sua imagem na de Lula, o advogado colhe dividendos em termos de popularidade. Mesmo que essa popularidade seja conquistada como uma atitude que representa atropelar colegas de profissão.

“Tem também o pedido de outros advogados do Lula que se apresentaram neste habeas corpus dizendo que este habeas corpus deve ser rejeitado. Isso passa, única e exclusivamente, por inveja e vaidade. Por quê? Porque esse habeas corpus foi protocolado por um advogado do Piauí, um advogado do Nordeste, que estudou o caso. E os advogados lá de São Paulo, que ganham milhões e milhões de reais, estão dormindo no ponto. Dormiram no ponto. E nós aqui do Piauí, advogando voluntariamente para o presidente Lula, estamos pedindo a sua liberdade”, disse.

Daniel não conversou com Lula ou com alguém próximo do ex-presidente para saber se tem vontade que o HC seja julgado.

“A Constituição e o Código de Processo Penal me deram a procuração para eu defender o Lula. Então, eu tenho procuração para defender o presidente Lula, estou fazendo isso, e vou continuar lutando pela defesa do presidente Lula e por sua liberdade”, afirmou, em entrevista para imprensa do Piauí.

A legislação não dá procuração a ninguém, mas admite que qualquer pessoa possa apresentar habeas corpus em favor de outra. No entanto, segundo lembrou a defesa de Lula, os tribunais entendem que, nos casos em que a pessoa tenha advogado constituído, cabe a este a iniciativa de apresentar HC.

“É preciso esclarecer que o ex-presidente tem advogados constituídos e a estes cabe, segundo as disposições legais e éticas da profissão, tomar todas a medidas defensivas cabíveis, como já reconhecido em diversas oportunidades pelos tribunais”, destaca nota divulgada pelos advogados de Lula.

A nota reflete a posição do próprio Lula e aí surge a segunda questão: por que Lula não quer que o HC seja julgado. Daniel Oliveira afirmou que, para ele, isso é invenção.

“Essa afirmativa é inverídica e não pode. Por quê? Porque o presidente Lula não pode rejeitar um pedido de liberdade. Quem defende liberdade, como defende o presidente Lula, jamais vai rejeitar pedido de liberdade”, disse.

A posição do advogado Daniel faz despertar outra questão:

Lula não quer ser solto?

É claro que quer, mas quer uma liberdade plena, não uma meia liberdade, como seria o caso da prisão domiciliar, na hipótese do semiaberto ser convertido para esse regime de cumprimento da pena.

“Quero sair daqui e viajar pelo Brasil, para falar com o povo e ajudar a construir uma alternativa para tirar o país dessa situação difícil”, disse ele a mais de um interlocutor que o questionou sobre prisão domiciliar.

Além disso, Lula rejeita qualquer iniciativa que possa parecer a busca de um atalho para deixar a prisão ou que possa parecer uma saída pela porta dos fundos.

“Quero a declaração da minha inocência”, afirmou ele. “Não troco a minha dignidade nem pela liberdade”, disse.

Em entrevista nesta sexta-feira ao jornalista Kennedy Alencar, ele disse que pode, sim, aceitar a progressão de regime, mas sem que pareça uma confissão de culpa.

“Eu quero ir para casa. Agora, se eu tiver que abrir mão de continuar a briga pela minha defesa, eu não tenho nenhum problema de ficar aqui”, disse.

A progressão de regime poderia ocorrer a partir de um pedido de seus advogados, não como um favor concedido por quem não tem procuração para defendê-lo, como se Lula fosse um desvalido.

A posição do ex-presidente reflete a consciência que tem de sua importância histórica, e também da influência que exerce sobre esta e futuras gerações.

Não é fácil permanecer em uma cela de quinze metros quadrados, principalmente para uma pessoa que foi recebida com honra nos principais palácios do mundo.

A esmagadora maioria das pessoas, que nunca entrou em um palácio, daria qualquer coisa para deixar o cárcere.

Mas Lula decidiu que não sai de cabeça baixa. Não quer o HC nem o benefício de uma possível mudança no entendimento do STF quanto a prisões a partir de segunda instância.

É difícil para qualquer um de nós entender a posição de Lula. O advogado Daniel Oliveira, por exemplo, trabalha com o horizonte curto, talvez — disse talvez — de olho na eleição de 2020.

Já Lula tem o olhar sobre a história, e age como quem tem certeza de que é a história que faz justiça e corrige todas as coisas.

Não significa que perdeu a esperança de voltar a ter liberdade. Mas ele vive como quem não teme a ameaça dos fracos, e não teme mesmo — “Lula vai apodrecer na prisão”.

“Se você abaixar a cabeça uma vez, terá que andar sempre de cabeça baixa”, disse ele, mais de uma vez.