Por que me tornei um vegetariano

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:34
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O autor

Em meio à polêmica das pesquisas científicas em animais, a revista Época estampou na capa a foto de um cachorro da raça beagle. Fez a seguinte pergunta: “A vida dele vale tanto quanto a sua?”. Respondo por mim: vale! Como dizia um saudoso amigo, que morreu cercado por gatos em seu velho casarão, no interior de Minas, “eu não pertenço a esse mundo”. Isso começou a ficar mais claro quando, aos 40 anos (tenho 48 atualmente),  tomei uma das mais radicais decisões da minha vida: parei de comer carne em respeito e amor que passei a nutrir pelos animais em geral, depois que ganhei dois cães. Eles fizeram com que eu enxergasse o mundo de uma forma diferente e logo se tornaram os filhos que nunca tive e meus melhores amigos.

Costumo dizer que o sentimento mais puro que passei a dedicar a outro ser vivo é a compaixão pelos bichos.  Não consigo ter amor igual por qualquer humano. Nos últimos 12 anos, abriguei inúmeros cachorros, a maioria de rua (tenho 11 atualmente), peixes, tartarugas e hamsters.  Um dos cães não tem os olhos. Mas me ensina diariamente que é possível ser feliz em condições tão adversas. Sou fã dele.

Em casa, baratas e pernilongos são convidados a procurar outro abrigo, já que não tenho ainda a intenção de conviver com eles. Para não machucá-los, eu os enxoto com a mão ou com um jornal.  E se alguém souber como faço para expulsar pulgas do corpo dos meus cães, sem ter que assassiná-las, eu agradeço. Recentemente, vivi uma cena patética por conta desse amor: salvei uma borboleta que caiu no vaso sanitário que eu acabara de usar. A operação foi, no mínimo, nojenta. Se faço essas, digamos, loucuras, como poderia comer um filé ou uma linguiça grelhada, cujo cheiro ainda me enche de vontade, sabendo que tais alimentos são resultado do abate de um animal?

Carne vermelha e de aves nunca foram o meu prato predileto, confesso. Difícil mesmo foi dispensar peixe e frutos do mar do cardápio. Mas até oito anos atrás, eu comia bicho sem remorso. Principalmente sabendo que a proteína vinda da carne animal era essencial para um malhador de carteirinha como eu. O nutrólogo que me atende diz que é errado, no meu caso, não comer carne. Eu peço para ele remediar o estrago que acha que a ausência desse alimento pode fazer, pois não pretendo voltar atrás na decisão tomada. Mesmo que eu tenha que pagar um preço alto no futuro, com minha saúde, quem sabe, estou disposto a bancar a escolha.

Felizmente, sei que a coisa não é tão dramática como  pode parecer aos olhos dos carnívoros. É perfeitamente possível viver satisfatoriamente e com saúde, sem qualquer tipo de carne, desde que você saiba o que precisa comer. Ao virar vegetariano, passei até a cuidar melhor da saúde, de forma a ter a certeza de que meu organismo responderá sempre bem à ausência de carne. Faço exames periódicos e consumo o que for preciso, inclusive suplementos, para aliviar a abstinência aos filés da vida. Até soja, que nunca caiu ou cairá no meu gosto.

Dá trabalho ser vegetariano? Sem dúvida. E olha que não sou dos mais radicais, a ponto de banir da mesa qualquer alimento produzido por um bicho, caso do ovo e do leite. O.K, só como ovo caipira. Afinal, sei que a galinha não foi forçada a abrir mão da vida dela para botar ovos, caso das espécies de granja que são confinadas em cubículos, iluminadas com luz artificial e sem direito ao sono. A caipira, para quem não sabe, cisca livremente e põe ovo quando quer.

Oras, prefiro não comer carne a ter a consciência pesada. Simples assim. Quando criança, eu assistia, indiferente, ao abate de animais pelas mãos de meu avô materno, que vivia do comércio de carne de porcos e de carneiros. As cenas do passado, bastante crueis, passam hoje pela minha mente como navalhas cortantes, das quais não consigo me livrar. E eu me pergunto: “Como pude ser tão insensível?”. Chegava a brincar com os cadáveres de porquinhos e carneirinhos que haviam sido retirados do ventre de suas mães, assassinadas pelo meu avô, que não sabia que elas estavam prenhas.

Também carrego, com dor, o olhar triste de um cachorro de um amigo, que ele abandonou em uma estrada, por achar que o pet estava doente. Outro dia, chorei copiosamente, no silêncio do chuveiro, ao lembrar a cena. Ainda me culpo por ter vivido isso sem nada fazer. Não tinha sequer remorso. Nem o fato de ter salvado alguns animais por conta de minha recente conscientização, de gastar muito dinheiro com meus cães tirados da rua em condições precárias e de viver em função deles a ponto de me isolar no meio do mato, é capaz de tirar esse peso que carrego nas costas. Na covardia que toma conta da minha alma perante a visão do sofrimento animal, eu não teria ido a São Roque salvar os bichos das garras do Instituto Royal. Justamente por isso, aplaudo quem foi e fez o que tinha que ser feito. Tem horas que as leis dos homens precisam ser burladas.

Meu futuro é quase certo: viverei os últimos dias cercado de animais, sem nenhum humano por perto.  Mas, não se enganem: esta escolha também é consciente. Estou longe de ser um São Francisco, mas se tem uma figura que admiro, mesmo combatendo as leis da igreja católica, essa figura é ele. No filme sobre a vida do santo (Irmão Sol, Irmão lua, dirigido por Franco Zeffirelli, em 1972), Francisco diz para um de seus seguidores cheio de fome e que babava por um frango assado que não lhe pertencia: “Pelo menos você não vai comer uma criatura de Deus”.

O que me alivia, de certa forma, é acreditar que a minha ligação com o plano superior está nos animais. No meu mundo ideal, leões também seriam vegetarianos. Não haveria qualquer tipo de pesquisa com bichos. Animais não sofreriam jamais. Como esse lugar não existe ou ainda não está ao meu alcance, tento viver nesse mundo dos homens. Triste e sem piedade para com os bichos.

Jornalista Carlos Amoedo, 48 anos, milita em São Paulo, e teve expressivas passagens por publicações como as revistas VIP e Men’s Health.

Pedrinho
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