Tenho um filho de 13 anos, Mateus, e uma menina de 17, Alice.
Crio os dois sozinho – minha mulher teve um câncer devastador e nos deixou há dois anos.
Na pandemia, prevendo as noites de terror que viveríamos, optei por sair de São Paulo. A ideia era evitar que nossa vida virasse um caos.
As crianças perderam a mãe, a casa, os amigos, a escola, a cidade e foram cair de paraquedas num local estranho.
Sábado passado eu estava de folga. Fui a um churrasco com amigos. Alice me ligou às 19h e combinamos de ir buscar o irmão no clube.
Eu estava exausto. No meio do caminho, parei o carro e dormi. Acordei uma e meia da manhã. Nem sei dizer quantas mensagens tinha no meu celular. Familiares acudiram os dois.
Foram ao hospital, à delegacia e nada de me encontrar.
LEIA mais:
1. Bolsonaro mandou Queiroga suspender vacina para adolescentes
2. Os pacientes viravam cobaias na Prevent Senior
3. Anvisa desautoriza Bolsonaro e toma decisão sobre vacina para adolescentes
No fim da história, passei por irresponsável.
E fui mesmo.
O fantasma da perda é uma constante no imaginário das crianças. Alice já estava fazendo planos de como iria cuidar do Mateus sozinha.
Na segunda, ainda impactada pelo susto, agendou a primeira dose da vacina para ela e o irmão. Não imginava que a imunização representasse tanto para os dois.
A picada da agulha foi como tirar um peso das costas dos 2. Ufa! Nossa família continuaria em pé. Viva. Juntos, enfim.
Esse testemunho não importa para o governo do meu país – óbvio que não sou pretensioso a ponto de imaginar que deveria.
O que espanta é o descaso não com meu pequeno mundo, mas com todos. A ponto do ministro da Saúde se juntar ao presidente da República e mentirem sobre a imunização para impedir a vacina em adolescentes.
Chegam ao ponto de dizer que a Organização Mundial da Saúde não recomenda a aplicação de doses a essa faixa etária.
Mentira. Essa nunca foi a orientação da OMS, pelo contrário. Diz que não é prioridade, mas tendo vacinas, reforça que todos devem se imunizar.
De resto, ainda desdenham a escola.
Alice estava certa ao se apavorar com meu sumiço no sábado. Sabe que, exceção do pai e do irmão, está desemparada desde que a mãe se foi.
Brasil, setembro de 2021. Segundo ano de pandemia. Ministro da Saúde. pic.twitter.com/Swrc9NI1Wg
— Matheus Agostin (@matheusagostin) September 16, 2021